Como sei, perguntas-me tu?
São os teus olhos que falam comigo e me contam de Mundos partilhados, de viagens fantásticas, de vidas trazidas, em memórias, ao presente, que me acariciam a pele sem me tocar.
São as tuas palavras embalando-me a alma, cantando-me trovas sem o saberes, nutrindo-me o coração, afagando-me o corpo, calando-me, aos poucos, o medo.
É o cheiro da tua pele na minha, um chegar a casa com o corpo cansado e a precisar de mimos, um aroma a pertença, a partilha, a doçura.
É o teu abraço forte que me protege e ampara, o ninho que crias para que nele me aconchegue e ressurja, equilibrada e forte.
É o beijo da tua boca vermelha na minha, promessa de brisa que sossega a tempestade revolta do mar, que acalma o chocalhar disperso das pulseiras de cigana que me adornam os braços, que me faz querer ficar ali, suspensa no tempo, no espaço, sem peso, sem saber, sem pensar.
São os segredos partilhados, as cumplicidades tão reconhecidas, o ser um e ser dois e crescer mais e querer mais, as descobertas de todos os dias, o sabor a mar nos lábios, e a terra para fincar os pés, e o fogo no peito, e o ar para espraiar as asas.
Como sei?
Não sei.
Mas quando penso em ti, recordo-me de tudo isto.
Sempre me fascinaram as atracções e na altura não conseguia compreender os seus mecanismos e na realidade penso que ainda hoje não os compreendo. Hoje que já sou adulto sei que há hormonas e cheiros e nuances e padrões e curvas e linhas e outras coisas que tanta vez as razões não explicam como um brilho inesperado no cabelo num dia de Sol ou um sorriso suave de lábios fechados ou uma simples e honesta gargalhada ou a surpresa daquele encontro mas saber todas estas coisas não me traz mais compreensão nem me facilita tudo o resto.
Todos tínhamos alguma inveja do Rubinudo mas esse não era um sentimento maldoso ao ponto de lhe desejarmos que algo menos simpático acontecesse ou que um dia ele acordasse com uma borbulha vermelhona e luzidia no nariz diminuto e direitinho e arrebitado ou que o cabelo de repente deixasse de ser fino e claro para se parecer com o ninho dos hamsters do Piloto ou que os olhos que eram cinzento azulados se estragassem de alguma forma, longe disso, apenas tínhamos alguma inveja e tínhamos mais que razão e razões para isso.
Nenhum de nós conseguia perceber como é que ele fazia mas era uma coisa quase sobrenatural que podia impressionar qualquer estreante nas nossas andanças e não havia dúvida que gostava de ter aquele poder e não se abstinha de o pôr à prova e não foram nem uma nem duas nem sequer vinte ou mais vezes em que entrava na pastelaria e punha-se a olhar para as vitrinas com ar perdido de cãozinho sem dono e para os bolos em forma de passarinho encorpados em creme e mais creme ou para as tortas de chocolate recheadas e cobertas ou outra qualquer doçaria que nascera da explosão de gemas de ovo com cascatas de açúcar e nos fazia crescer água na boca pelos olhos e havia sempre, mas sempre alguém que lhe passava a mão pela cabeça e com um: “coitadinho do menino que tem fome…”, lhe comprava a guloseima. Estranhamente ou talvez não, na maior parte das vezes eram senhoras que nós achávamos que tinham idade suficiente para serem nossas mães ou até mais velhas como as nossas avós mas nós naquela idade achávamos que todos os adultos tinham idade suficiente para serem nossos pais ou até mais velhos como os nossos avós.
Afinal o Rubinudo era um miúdo porreiro e invariavelmente dividia os bolos connosco, dentada a um mordidela a outro e lambidela a todos e ninguém se enojava com isso nem com a outra questão que a alguns de nós começava a comichar porque embora já pensássemos nisso das miúdas não pensávamos muito, mas no fundo todos sabíamos que viria um dia em que o iríamos odiar. Elas eram ainda pequenos seres ruidosos de voz estridente e que gritavam por tudo e por nada e que choravam por nada e por tudo e não percebiam nada de nada de tudo o que nos interessava e não as queríamos por perto mas ele parecia que as atraía como os bolos de creme e chocolate nos atraíam a nós e entre risinhos e cotoveladas e piscadelas cúmplices bastava que alguém se distraísse e lá vinham convidá-lo para um cházinho e bolachinhas e outras brincadeiras inaceitáveis a um membro efectivo de um grupo de aventureiros como o nosso mas ele não lhes ligava muito e limitava-se a sorrir e tinha um jeito de o fazer com os olhos enquanto se afastava que as derretia em suspiros e ais e no fundo todos sabíamos que já o odiávamos um bocadinho.
(À Suivre)
Fui eu que sonhei, ou aconteceu?
As memórias escapam-se-me por entre as sinopses gastas do meu coração cansado das milhas áridas que já percorreu.
Talvez tenha sido apenas um momento fabricado com cuidado pelo meu desejo. Talvez tenha sido o meu leve querer, um misto de gosto/desgosto que por algum motivo te elegeu de entre um milhar de rostos, corpos e almas.
Ou talvez tenha sido a palpitante realidade, um universo que me abriu a porta timidamente, mostrando-me um caminho que podia ter percorrido. Mas o medo apanhou-me à traição... por isso nunca o saberei.
Uns segundos.
Foi o tempo em que o teu olhar se alambazou no meu.
O tempo em que a tua mão se estendeu ávida para a minha, enquanto me deixavas naquele cais de embarque, na despedida.
O tempo em que me estendeste um beijo destinado aos meus lábios... o beijo a que eu cobardemente fugi.
O tempo que não dá meia volta, e se perdeu.
Fui eu que sonhei, ou aconteceu?
-Desculpa, dás-me um cigarro?
-Porque não… até te faço companhia.
-Há muito que não te vejo por aqui.
-Costumava vir todos meses, às vezes com tempo e outras apressado, um dia distrai-me…
-E deixaste de vir!?
-Esqueci-me do caminho.
-E como chegaste cá hoje?
-Por acaso, deambulava sem destino e quando dei por mim estava por aqui.
-E encontraste-me?
-Parece-me que foste mais tu que me encontraste.
-Eu esperava por ti.
-Por mim?
-Ou por um dos teus personagens.
-E tens algum que prefiras?
-Tenho vários, gosto sobretudo dos loucos e dos perdidos e dos imprevistos.
-Porquê?
-Não sei, não tem que haver uma razão para tudo.
-Pois não.
-Vais voltar?
-Quando? Onde?
-Na próxima vez, aqui onde podemos partilhar um cigarro.
-E partilhar um caminho perdido ou um devaneio ou a imprevisibilidade de uma palavra sem contexto?
-Tinha saudades de te ter por cá.
-Parece-me que tinha falta de cá vir.
-Dás-me outro cigarro?
Reside mais mundos que não ves , um deles diz se que é o passado ainda a correr a repercutir-se pelos ouvidos mais abertos resolvidos a entender os absurdos . E é nesse plano que me vi enclausurada . Vivendo o passado descompassadamente e repetidamente , pensei que tinha enlouquecido , e enlouqueci perdi o rumo mas encontrei-o quando tentei perceber a razão para este labirinto psiquico, cai por um portal e para outro mundo onde a razão o tempo e a gravidade nao coexiste, um microcosmos onde poderiamos contemplar o tamanho do nucleo de um atomo enquanto percorriamos distancias inimagináveis e desafiantes à paciencia de qualquer resistente de controle mental . Nesse mundo entendi que não sou nada mas que faço parte do tudo, essa conclusão pareceu-me mais lógica na altura , agora nem tanto , em todos eles descobri a emoção amor na origem simbólica da vida como que se fosse eu a relembrar-me a mim mesma que em todos os lugares existe o amor , ate neste 3º mundo que dizem ser nosso. Que ilusão enorme , nós é que somos do Mundo.
Porque me povoas as noites com a luxúria dos sonhos livres, que me ensopam a pele e me consomem a razão.
Porque os meus olhos falsificam, ao olhar-te, o crescente murmúrio do meu corpo que se quer fundir no teu.
Porque a dança dos meus sentidos é teia invisível em teu redor, adormecida para que dela nunca suspeites.
É desejo nú o que me atormenta, meu bem.
Que o meu coração não te pertence, nem se deleita com o ouvir da tua voz ou o sentir do teu perfume.
Não.
Eu não te amo, guerreiro.
Mas este desejo sim, tem o teu nome tatuado em brasa.
Perde-te no mapa do meu corpo
Sente o vento que suspira
A mansidão dos cumes
Há azimutes que não seguiste
Linhas rectas, linhas curvas
Por onde teu dedo não passou
Faz contas, sonha o caminho
Que serpenteia por minha pele
E traça teu rumo de nómada
Pousa bússola em terra chã
Olha o Norte nos meus olhos
E avança pelos trilhos
Trepa pelas curvas de nível
Galga montes sinuosos
Demora-te em vales recônditos
Arranca o fôlego à brisa
Incendeia a lenha rasteira
E repousa no teu destino
Este é o terceiro e último texto deste passatempo. Eram para ser 4 mas um foi retirado a pedido da autora.
Tencionamos em breve fazer um novo passatempo de tema livre. Os interessados podem começar já a escrever.
Abaixo podem ler o segundo texto deste passatempo. Os nomes do autores aparecem no final dos textos e clicando nesses nomes irão parar às páginas pessoais dos mesmos.
Abaixo podem ler o primeiro texto enviado pelas pessoas que acompanham este blogue. No total serão publicados este mês 4 textos.
Se eu pudesse postular determinava que quando chove o céu chora por alguém.
Se eu pudesse simplificar a chuva diria que ela é feita de água e de tempo assim como nós somos feitos de água e de tempo e de alma e de ainda outras coisas que se calhar não são assim tão importantes. Sei que sou mais chuva do que carne mas ainda não sei se sou mais alma do que chuva e gosto de a sentir molhada num dia sem frio e sem pressas e sem medos.
Se eu pudesse dissecar uma gota de chuva caída na palma da minha mão gostaria de chegar ao fundo da sua memória, saber por onde andou, por que rios, por que mares, saber se já escorregou pelo vidro de uma janela do quarto de dois amantes ou pelos beirais de um castelo de encantar ou apenas pelas ruínas de um casebre de pobre. Queria saber tudo desde que o tempo a fez cair do céu pela primeira vez até ao momento em que tocou na minha pele.
Se eu pudesse partilhar o espaço e o tempo com uma gota de chuva gostaria de cair sem vento sobre a árvore mais alta da floresta, folha sob folha, ramo sob ramo até me enterrar no chão tenro e ir cada vez mais fundo em busca de outras gotas em forma de fio e de rio e de mar e depois diluir-me, tornar-me indistinto sem deixar de ser único e esperar que uma brisa quente, um sopro de Sol me transformasse em ar e subisse devagarinho, bem devagarinho em direcção às estrelas até ser capturado pelo vento em flocos de nuvem e reiniciar a viagem.
Se eu pudesse explicar a chuva num dia de Sol perderia por palavras a magia de um arco colorido que tem numa ponta um sonho de menino e na outra o inalcançável. Nunca sei dizer em que ponta está o sonho e caminho sempre onde nunca consigo chegar e a chuva pára e ficam só os brilhos nas manchas de água a reflectirem o meu desejo.
Se eu pudesse dançar à chuva de gabardine comprida e chapéu de varetas ocas regressaria no tempo a um tempo fechado numa caixa de madeira sem mais outras cores que o preto e o branco e diferentes cinzentos e quem sabe não começaria a cantar com um sorriso nos olhos e nos lábios.
Se eu pudesse comandar em fúria a chuva lavaria todos os males e os meus pecados e restaria puro e vazio num Mundo sem graça e sem homens. Seria divino sem crentes e sem outras catedrais que não aquelas que se formam nas clareiras das árvores perenes.
Se eu pudesse ficar nu debaixo de uma chuva que fosse quente como a água que escorre em chuveiro, forte e compassada sobre os ombros e de braços bem abertos, gota a gota, poro a poro, isolava-me de pensar, de sentir, de me tentar perceber ou explicar.
Se eu pudesse imaginar uma chuva que não fosse chuva feita de água e de tempo iria fazê-la de algo doce e suspenso que se pudesse afastar como uma cortina que dá acesso a um outro palco. Gostaria de encontrar nesse palco um bando de actores interagindo numa performance sem ensaio, representando a minha vida em pantomina. Gostaria de ver a plateia vazia de público e cheia de letras e palavras e frases sempre a trocar de lugar e formando histórias dentro das histórias.
Se eu pudesse escolher que a chuva fosse só chuva ela seria a causa e a razão da vida e o desejo ou desespero de quem a tem ou de quem lhe falta e nada mais.
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