Cadáver Esquisito IV  

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O próximo texto será o quarto da rubrica "Cadáver Esquisito". O texto é escrito a duas mãos. Neste caso, eu escrevi a primeira parte que pode ser lida a a verde garrafa e dei a ler ao Bruno Fehr apenas o parágrafo que podem ler a cinzento. A partir desse parágrafo ele escreveu, a vermelho vinho, a sua parte do texto, passando-me a mim a última frase. And so on...

Podem ler o resultado abaixo desta explicação.

Ela  

Posted by ipsis verbis in

Tinha acordado tarde. Tinha adormecido quase de manhã. Atira-se para fora da cama e com os pés descalços apressa-se pelo corredor.
Entrou de rompante na casa-de-banho onde quase atropelou o companheiro de casa.
- sai! estou super atrasada...
- tem calma que eu ainda não estou pronto.
- Mas tu já tomaste banho! sai!
De um empurrão, tira André, com a escova de dentes ainda na mão, da casa-de-banho.
Fecha a porta e prepara-se para o banho.
Do outro lado da porta:
-Até logo.
Deste lado, nada. Típico dela, não falar mais que o estritamente necessário quando ainda está ensonada...
A água quente estava a deixá-la num estado ainda maior de sonolência, não estivesse de pé tinha dormido ali, assim, quase que caíu na banheira. Abriu os olhos e exclamou:

- Opá, que estúpida. Acoooorda!

É sempre a mesma merda, dorme a dormir, dorme acordada, dorme até em pé. Passa a vida fechada num mundo imaginário. Por vezes questiono-me se ela é normal.

Gostaria que ela fosse homem, porque dizem que não se bate em mulheres. Se fosse homem eu desmontava-a à pancada até ela acordar. Ela se fosse ele, pois nos homens parece que é aceitável bater.

Acooorda badalhoca, acorda desse sono que mais parece um coma. Abre os olhos e olha à tua volta, com olhos de ver, sai desse teu mundo de ilusão, cheio de Humpty Dumpty's, cavaleiros andantes, princesas, príncipes encantados e fadas madrinhas.

O mundo é de, fritos da tola, xungas em carros xuning, falsas pudicas, príncipes disfarçados e fodas à bruta.

E isto fazia sentido. Ultimamente, só saía com os amigos mais próximos, porque sabia que não ia ter que aturar nenhum penetra no grupo, que mais tarde se demonstrasse autêntico frito. Esta opção, ao mesmo tempo que criada por si, aniquilava qualquer contacto que pudesse vir a ter fortuitamente com um desconhecido. Andava de transportes públicos, e das poucas vezes que saía a pé, levava com os faróis azul-cueca-flash, e todo o aparelhómetro de alguns automóveis espécie lego-kinder. Só tinha conversas de merda com o pessoal do costume. [a aprendizagem, descoberta e vivências, passavam para um outro plano. O plano do esquecimento] . Pisava a cada passo que dava, Leonardos DiCaprio. E as fodas... bem, as fodas eram quecas rápidas com direito a açoites na nádega direita.

Voltava para casa, demasiado cheia dela própria, mas só até se sentar em frente ao computador.

Aí ela vazava tudo o que queria fora dela, quer seja ao escrever os seus sonhos, pensamentos e ideias em páginas perdidas no mundo dos blogues, Hi5's, NetLog's e outras. Expulsava o que queria, dizia o que pensava. Falava com estranhos em MSN's, Skype's, etc. Sentia-se de facto mais leve, mais livre, mais ela, mas não era ela, era sim o sono profundo pelo qual ela geria a sua vida. O que escrevia não era na verdade uma libertação mas sim o oposto, pois as palavras estavam presas ao seu sono profundo que era a sua vida. Em chat's ela não era ela, era sim quem queria ser. A cada palavra, a cada frase desta sua falsa libertação, ela estava cada vez mais presa ao seu mundo de ilusões.

FIM.

Fora de mim (parte 2/2)  

Posted by Bruno Fehr in

Está muita gente na rua. É normal haver muito de movimento a esta hora, pessoas a sair de casa a caminho do trabalho. A minha rua normalmente é um ponto de passagem, mas hoje parece ser um ponto de paragem. Várias de dezenas de pessoas estão agrupadas mesmo em frente à porta do meu prédio e por baixo da janela do meu quarto, portanto está mais do que visto que tão depressa não vou poder dormir.

Não resisto e aproximo-me da multidão. Não sei como explicar mas há algo de irresistível numa multidão, como que um magnetismo humano que nos atrai. Ao referir-me a essa atracção como magnetismo é como estar a camuflar algo banal, fazendo parecer especial. Não, não é nada de mágico é a simples e estúpida curiosidade humana que nos faz ir ver o que todos os outros estão a ver. Não que a curiosidade seja má. A curiosidade é boa, quando temos curiosidade em saber o que mais ninguém sabe e chegar onde mais ninguém chega, mas quando nos leva a querer ver o que toda a gente já viu e sabe, não é mais do que uma fraqueza. A esta hora da manha, depois de uma noite de copos e festa, não tenho forcas para ter vontade própria e aproximo-me da multidão como uma ovelha se aproxima do rebanho.

Ao aproximar-me, reparo que todos olham para o mesmo local. Está algo ou alguém ali no passeio e é o centro das atenções. Um rapaz. Esta um rapaz deitado no passeio. Assim de repente não encontro justificação para alguém estar deitado no passeio, a não ser que tenha sido atacado, esteja bêbedo ou se atirado do topo deste edifício, se assim foi é bom que tenha sido do topo, pois o meu prédio só tem 3 andares e mesmo saltado do terceiro andar as probabilidades de sobreviver deveria ser suficientes para desmotivar o salto. O rapaz tem um sorriso na cara, parece estar em paz. Eu conheço-o… acho que o conheço. A cara dele… a roupa… é-me tudo tão familiar mas não me consigo lembrar quem é nem de onde o conheço. Talvez more aqui na rua. Ouço no meio da multidão um nome:

“-Pedro, o nome dele é Pedro”, diz uma senhora de idade.

O meu nome também é Pedro. Quero saber mais, sobre ele. Sinto algo dentro de mim que me compele a saber mais. Tenho um sabor azedo na boca e não e vomito como seria de esperar de alguém que fez as misturas alcoólicas que eu fiz esta noite. E um sabor a… pilhas ou baterias… aquela sabor quando se toca com a língua numa pilha. Uma amiga disse-me um dia que esse era o sabor da morte, talvez… talvez ela seja louca.
Pergunto se alguém sabe o nome de família. Não pergunto a ninguém em especial, faço a pergunta para o ar, esperando que qualquer daquelas pessoas me responda. Ninguém responde, ninguém parece sequer ter reparado que eu fiz uma pergunta. Tento mais uma vez, desta vez pergunto se alguém sabe onde ele mora. Mais uma vez sou ignorado. Talvez a solução seja perguntar a alguém em particular. Vejo o meu vizinho do primeiro andar, aproximo-me e tento atrair a sua atenção:

"Bom dia Sr.João"

Nada, parece não me ouvir ou esta a ignorar-me. Recorro ao toque, apesar de odiar tocar em pessoas as vezes e a única maneira de lhes chamar a atenção. Ao tentar tocar-lhe no ombro sinto uma brisa gelada que em segundos passou por mim, ao ver a minha mão a passar pelo corpo dele como se ele não estivesse ali. Olho para o chão, fixo a cara do rapaz. Pedro, Pedro Fernandes, este rapaz deitado no passeio… sou eu! Como pode ser? Como posso estar aqui, no meio da multidão a olhar para mim, deitado no passeio?

Estou fora de mim! Só posso estar fora de mim, o que é algo que me acontece regularmente mas nunca aconteceu literalmente.

A multidão está a ficar animada, isto já parece uma festa em que eu sou o convidado de honra, não eu aqui em pé, mas o eu ali deitado. As pessoas parecem ter esquecido que é dia de trabalho. Começam as chegar os VIP´s da festa, os primeiros a chegar são os bombeiros seguidos da policia. Incrível como a policia consegue chegar mais tarde, tendo de percorrer um terço do caminho. O primeiro bombeiro parece verificar os sinais de vida, olha para o segundo bombeiro a acena negativamente dizendo: “nada a fazer”. Nada a fazer? Que idiotas, com todo o respeito pelo trabalho desenvolvido pelos bombeiros voluntários, eles não tem formação medica para fazer julgamentos deste tipo. O que eu preciso é de um medico, não de um bombeiro, só espero é que o medico não seja legista, pois só conheço um tipo de pessoas que precisam de um medico dessa especialidade e essas pessoas não voltam a ser vistas com saúde.

E se morri? Pelos visto morrer e como levar um par de cornos, somos os últimos a saber e nunca descobrimos de um forma suave.

Vejo que me colocam na ambulância, reparo que a minha cara vai coberta. E engraçado ver que o cientista que me declarou morto é o condutor, provavelmente quando não esta a conduzir ambulâncias é taxista de profissão.

Se morri, dentro de horas estarei numa maca enquanto me abrem para ver a minha beleza interior. Eu acho que a autopsia só é obrigatória, não para determinar a causa de morte em todas as mortes, pois alguém com um buraco na cabeça feito por uma Glock tem a causa de morte determinada sem ser necessário abrir-lo de alto a baixo. A autopsia existe sim e é obrigatória para evitar problemas futuros. Desta maneira mesmo que a pessoa não esteja mesmo morta e esteja sim num coma profundo em que o batimento cardíaco não é detectado, podemos afirmar com toda a certeza que não ira sobreviver à autopsia.

Não estou convencido, se morri o que raio estou aqui a fazer a olhar para a uma ambulância a partir comigo la dentro? Não deveria eu ir para o “outro lado”? Seja lá esse lado onde for, certamente não é aqui, se fosse, não lhe chamariam o “outro” lado mas sim, este lado, o mesmo lado ou a mesma merda não outra. Sei lá ir para o céu, para o inferno ou para aquele sitio de que falam entre o céu e o inferno, onde se decide para onde a alma devera ir, o purgatório. Será que a minha vida foi tão complicada que nem para ai tenho o direito de ir. Eu sei que não fiz nada na minha vida para merecer ir para o paraíso, ainda bem. Acho que passar a eternidade a fazer piqueniques em imensos jardins a ouvir anjos a tocar harpa seria uma tortura e não uma recompensa, ainda por cima passaria a ser eunuco, visto que os anjos não tem sexo. Que chatice. Se não fiz bem para ir para o céu é porque fiz mal, portanto não há necessidade de ser julgado no purgatório e posso passar directamente para o inferno. O inferno será certamente mais quente, o álcool e o sexo serão certamente admitidos e possivelmente obrigatórios, fazendo o inferno parecer-me muito mais apetecível. Mas, não, continuo aqui. Devo ter levado mesmo uma vida de abusos e pecado, ao ponto de nem no inferno poder entrar e o meu castigo ser ficar aqui na mesma vida mas sem o corpo que acabou de morrer. Que merda.

Pode ser que haja regras, sei la um anjo da morte que nos indica o caminho a seguir, um túnel a travessar um autocarro, qualquer coisa. Se há regras, podiam pelo menos informar os potenciais interessados, neste caso os recém falecidos como eu. Olho em volta, procuro alguém com um robe preto e um capuz, a imagem na minha mente do “Grim Reaper” ou na versão mais suave de Florbela Espanca a “Sra. Dona Morte”. Não vejo ninguém que se possa parecer com a morte. Pelo visto nem morto eu chego ao destino a horas.

Ninguém me ouve, ninguém me vê e como se não existisse. “Penso logo existo”, claro que sim, se não existisse não poderia estar a pensar nisso. Mas como podemos provar a nossa existência perante terceiros, não que isso seja importante, mas como poderemos provar a nossa existência a nos próprios sem a ajuda de terceiros? Principalmente quando se tem as duvidas que eu tenho.

Esta coisa de estar morto não é nada do que eu imaginava. Ainda tenho vontade própria, portanto é mentira que o único funeral que não podemos evitar ir é o nosso. Não. Eu posso decidir não ir ao meu funeral, já me levaram e eu não fui comigo, portanto…
Estou a sonhar e este é sem duvida o sonho mais estranho que já tive. Sonhar que morri e estar a analisar os motivos da minha própria morte. Sempre imaginei como seria morrer num sonho. Sempre acordei segundos antes de morrer em sonhos, lembro-me que acordava bastante mal disposto, pois queria saber como seria. Sonhos em que perdia o controlo do carro e caia num precipício e acordar a centímetros de embater no chão. Por um motivo ou outro cair de um edifício alto, sentir toda a queda mas nunca o embate no chão. Uma noite sonhei que tinha levado um tiro. Foi antes de ter tido qualquer tipo de contacto com armas, diversas anos antes de ter entrado no exercito Português. No sonho levei um tiro, senti uma dor impressionante no peito como uma queimadura mas dentro do meu peito. Lembro-me de sentir o sabor a sangue na boca, de sentir as forcas nas minhas pernas a falharem, a visão a ficar distorcida, senti uma morte lenta e dolorosa mas acordei antes do fim. Ao acordar reparo que ainda sentia a mesma dor no peito e a minha mão esquerda estava sobre o local onde a bala penetrou. Sem duvida dos sonhos mais reais que tive. No entanto não morri em nenhum deles e em todos eles havia motivo para morrer. Neste sonho não faço ideal do que aconteceu.

Sempre me disseram que acordamos antes de morrer em sonhos, pois quem morre durante um sonho não volta a acordar. Eu morri neste sonho, será que não irei acordar? Claro que irei acordar, isto não passa de sabedoria popular, que nem se pode chamar sabedoria mas sim teoria popular sem qualquer tipo de bases cientificas.

Este sonho não tem piada, estou a ficar aborrecido, quero acordar só não quero acordar morto.

Pergunto-me se estarei num sonho a espera de acordar ou se o meu subconsciente me resolveu matar num sonho. Se o subconsciente controla os nossos sonhos e se acredita que morremos nesse sonho, não ira ele impedir que eu fique consciente? Ele certamente não vê qualquer motivo em me deixar acordar visto que morri. Espero que o meu subconsciente tenha um mínimo de consciência e me acorde.

Levaram o meu corpo, ou o corpo de alguém parecido comigo ou um outro eu que não eu, aqui, neste momento a pensar.

As pessoas começam a dispersar, a estrela da manha já abandonou o local, a vida volta ao normal. Todas estas pessoa parecem bem dispostas, nada como alguém morrer na nossa rua para animar uma multidão. Fazer uma manha fora do normal, ajudar a multidão a sair da monotonia e dar-lhes algo de que falar durante o fim-de-semana. Não precisam de agradecer, foi um prazer animar o vosso dia.

Estou sozinho, finalmente, a olhar para o local onde estive deitado. Tento compreender o que aconteceu e compreender porque motivo ainda não acordei.



FIM

Fora de mim (parte 1/2)  

Posted by Bruno Fehr in

Estou deitado no passeio, na minha rua, em frente a minha casa. Olho em volta e vejo caras conhecidas de pessoas de quem não gosto. Vizinhos. Ouço-os perguntar uns aos outros, o que aconteceu. Não percebo porque se questionam sobre mim na minha presença. Seria muito mais fácil, perguntarem-me directamente. Inteligência, nunca me pareceu ser uma das qualidades dos meus vizinhos. Talvez todos os vizinhos tenham um deficit nessa área, mas eu só me sinto afectado pelos meus. Os idiotas das casas em torno da minha. Apetece-me dizer-lhes “porque não se metem na vossa vida, para variar?”.

Eu não gosto que falem de mim, especialmente na minha presença. Ultimamente, toda a gente fala de mim, independentemente se me conhecem ou não, dizem verdades, meias verdades e ridículas mentiras. Eu sou o assunto do momento, toda a gente quer falar de mim. Sempre tive mais reputação que proveito em relação a mulheres, loucuras, talento e idiotices mas neste momento o proveito é zero e tudo isto não passa de reputação que está a afectar a minha vida pessoal de uma forma muito negativa. Dá-me vontade de torcer pescoços, furar olhos, bater em certas pessoa com gatos mortos até eles miarem. Tudo isto deixa-me deprimido, mas ninguém liga, ninguém se importa.


Estou a pagar um elevado preço por tudo aquilo que não fiz e não disse, deveria ter feito. Deveria ter feito toda a merda que dizem que faço e fiz... sei lá... Deveria ter sido o cabrão com as mulheres, que dizem que fui. Deveria ter feito mais merda do que era humanamente possível de imaginar, tenho a certeza que se o tivesse feito, não estaria na situação em que me encontro neste momento.


Sempre sofri de depressão, mesmo antes de depressão ser uma doença quando era simplesmente conhecida com um estado “maniaco-depressivo”. Lembro-me que desde muito novo que tenho variações comportamentais entre a tristeza e isolamento, a loucura e violência, no entanto considerava tudo isso, elementos relacionados com a adolescência e não uma doença. Os anos passam e a loucura diminui a violência termina, a depressão, tristeza é constante e a única coisa que nos mantém vivos é o isolamento, o tempo que passamos com os nossos pensamentos, o tempo passado a conversar comigo próprio, tentando conhecer-me. Acho que sou um tipo fácil de conviver e conversador, mas as pessoas com quem me cruzo, não têm nada para dizer, não têm vocabulário, falam do tempo e de assuntos banais que me dão uma vontade incontrolável de vomitar.


Quem não me conhece fala de mim, quem pensa que me conhece, fala de mim. As pessoas nunca elogiam quem não está presente, pois isso não tem piada nenhuma, a não ser que essa pessoa tenha morrido, ai é só elogios, como se essa pessoa tivesse sido perfeita, quando na verdade todos esse elogios são ditos, pois nunca se sabe se o morto esta a ouvir ou não.
A piada está em falar mal de quem não está presente. Estar no meio de colegas a ter uma animada conversa e no momento que te levantas para ir ao WC, usam esses minutos para falar mal, quando voltas, está tudo normal, sorrisos, brindes e a conversa continua.

Tenho saudades do meu estado “maniaco” em que simplesmente fazia algo de completamente louco, o que afastava a depressão enquanto a loucura durasse. Nos últimos 3 anos não há nada de maníaco na minha vida, unicamente depressão.


Talvez o facto de me ter deitado neste passeio, seja o “maniaco” em mim a voltar, mas toda esta gente a minha volta está a deprimir-me. Talvez estar deitado no passeio, em frente a minha casa às 07:00 da manha de uma quinta-feira, seja do mais maníaco que fiz nos últimos tempos, algo que provavelmente será falado nos próximos dias. Quero estar sozinho por um momento. Eu, o meu pensamento e este passeio. Ver o mundo por um outro ângulo, de baixo para cima, deitado, olhando directamente o céu, ignorando que passa. Não é fácil, pois uma dezena de caras feias, impedem-me de ver o céu, olhando para mim fixamente como se eu fosse louco. Quem é realmente louco? Eu por estar deitado no passeio à espera de ver o nascer do sol, ou todos os idiotas que param para olhar para mim, esquecendo as suas próprias vidas?


Não me lembro da noite passada, não sei onde posso ter estado numa noite de quarta-feira e toda a madrugada de quinta-feira. Não sei se me diverti mas tenho a certeza que bebi muito, não que esteja bêbedo ou me sinta a ressacar, simplesmente porque sempre necessitei de álcool, não para viver mas para me divertir. Se não saio durante um mês, não bebo álcool durante um mês, mas se saio todos os dias, bebo todos os dias. O álcool não é um vicio mas sim um aliado, que ajuda a sorrir e a fazer sorrir, ajuda-me a estar em contacto com o rapaz que fui, o mesmo rapaz que foi assassinado por todas as pessoas de quem gostei e me desiludiram.


O sol está a nascer. O normal é chegar a casa já de dia, mas se tivesse chegado mais tarde, não estaria aqui deitado à espera do nascer do sol. O nascer-do-sol… já vivi imensos mas nunca reparei neles. O nascer-do-sol é algo que ignoramos, pois todos os dias ele nasce, podemos sempre adiar mais um dia e ver o próximo só para um dia chorar todos aqueles que perdemos. Ouço uma voz que pede para me darem espaço. As pessoas afastam-se um pouco e assim consigo ver o céu.


Ultimamente tenho andado muito mais activo sexualmente, não só activo como também ando a variar mais. Porque não sei bem, é como se andasse de vagina em vagina em busca de algo, em busca daquele “lar doce lar”, em busca de uma ligação sexual e intelectual perfeita. É triste, mas acho que isso não existe. O melhor sexo que tive foi com mulheres que não conseguem andar e mastigar pastilha elástica ao mesmo tempo e, aquelas com as quais consigo ter conversas decentes, aquelas que conseguem desafiar a minha mente são aquelas que me fazem sentir necrófilo, pois não se mexem ou simplesmente gemem e gritam assim que lhes toco no colchete do soutien. Quando se procura algo de especial nas mulheres através do sexo, o que se encontra são problemas, principalmente quando quebramos as nossas próprias regras. A minha principal regra era não dormir em casa delas e não deixar que durmam em minha casa. Não importa a que horas começamos ou a que horas acabamos, tem de haver sempre a força de vontade para nos levantarmos e as levarmos a casa ou conduzirmos até nossa casa. Quando deixamos que elas durmam em nossa casa, elas acabam por se achar no direito de nos exigir algo de pessoal, algo que não estamos dispostos a partilhar com elas, como por exemplo o nosso numero de telemóvel. A outra desvantagem é que sabem onde moramos e mais tarde ou mais cedo aparecem à nossa porta. Quando damos por ela, encontramos uma escova de dentes a mais na nossa casa de banho. Eu tenho um armário pequeno demais para tanta escova. Se as levamos a casa, não temos tempo de nos esquecer. Não há nada de mais assustador do que acordar e ver alguém a dormir ao nosso lado e ter de espreitar para ver quem é realmente, ou simplesmente acordar e ouvir o nosso chuveiro, reparar em roupa espalhada pelo quarto e termos de de ir verificar a identidade dela através do bilhete de identidade, cometendo a indecência de mexer na carteira dela. Aconteceu-me há dias, ao ver o BI dela, lembro-me de pensar
não acredito que dormi com esta”.

As mulheres mais perigosas, são aquelas que já sabem de nós o que precisam e nos preparam armadilhas, que nos obrigam a entrar em contacto com elas, que nos obrigam a voltar. Aquelas que deixam « minas » na nossa cama, « minas » prontas a serem encontradas pela próxima mulher e a rebentar na nossa cara. Nunca percebi como é possível que uma mulher se esqueça das cuecas, mesmo que seja daquelas fio-dental, que mal se nota que as têm vestidas. No entanto com o tempo percebi que elas não se esquecem delas, as cuecas são deixadas na nossa cama com um propósito, o propósito de serem encontradas de preferência por outra mulher. Na mente delas, o motivo de saberem que nós as iremos evitar depois do sexo, só pode ser por termos uma namorada e essa mina é deixada de maneira a ser encontrada por a nossa cara metade… que termo estúpido, cara metade.


Há qualquer coisa no meu estado depressivo que me faz trocar de mulher com regularidade, independentemente da maneira como ela se sente. A depressão torna-nos egoístas, se me sinto mal toda a gente se deve sentir mal. Troco de mulher sem pensar nisso, não importa se ela se sinta ligada a mim, pois eu não ligo a ninguém. Por isso mesmo ando a trocar regularmente de numero de telemóvel, desta maneira não me ligam mesmo que queiram.


Quando será que alguém me pergunta o que se passa comigo, o motivo pelo qual eu me deitei neste passeio? Por outro lado, o que será que eu iria responder? A melhor resposta seria: “Estou aqui deitado, porque posso!”.


Não quero ver mais esta gente. Fecho os olhos.




(Termina dia 22.01.2009)