Ainda Hoje  

Posted by Bruno Fehr in

Passei horas a ouvir o nosso atendedor de chamadas. Ouvi a mensagem uma vez, e outra, e outra, e outra... Por mais estúpido que fosse, era a única forma de ouvir a tua voz. O calendário colado na porta do frigorífico marcava a data 3 de Setembro. Era a nossa data. Fazíamos 4 anos. "Quem diria?", pensei eu. Já nos conhecíamos há tanto tempo, de uma forma ou de outra fomos indo e voltando da vida um do outro, até àquele dia. O dia 3 de Setembro. O dia do primeiro beijo. O dia em que tudo mudou. O dia em que entraste e eu senti que nunca mais irias sair. 

A cada dia que passava, sentia-me mais apaixonado por ti. Cada beijo tinha a emoção e o sentimento do primeiro. Lembro-me de ficar horas acordado a ver-te dormir. "Oh, meu amor, o quanto eu te amo". Lembro-me pensar isto, e adormecer com um sorriso na cara, só por te sentir ali. E lembrar, de quando fazíamos serões no sofá, a ver daqueles romances, e te deitavas bem perto de mim. Ainda sinto a tua respiração no meu pescoço, o cheiro do teu perfume quase tão doce como tu. Ou dos passeios pela muralha, a ver o mar, a rebentação das ondas nas rochas e o pôr-do-sol. Era tudo tão belo. Parece que foi ontem que te pedi para me beliscares, porque não acreditava que podia ser assim tão feliz. 

Lembro-me do prazer que era, depois de um cansativo dia de trabalho no escritório chegar a casa, e ter sempre o teu beijo à minha espera. As tuas palavras carinhosas. Acho que nunca te disse o quanto te admirava realmente. Tu tinhas uma força que dificilmente eu algum dia virei a ter. Independentemente de como te corresse o dia, o teu sorriso estava sempre lá para me receber, por pior que tivesse sido o teu dia de trabalho, por piores que as coisas andassem. Recordo-me de discutir contigo um dia, por uma coisa tão insignificante que já nem sei ao certo o que era. Recordo-me de sair porta fora, exaltado. Recordo-me de a abrir de seguida, e mesmo sem falar, olhei para ti e pedi-te desculpa, e tu a mim. O beijo que demos de seguida foi tão forte, tão intenso, tão... ai, amor, parece que ainda o sinto aqui, nos meus lábios. As tuas mãos suaves no meu rosto, e as minhas na tua cintura. Encostaram-se os nossos corpos, quentes e desejosos um pelo do outro. Fechei a porta com o pé, agarrando-te ao colo de seguida. Essa seria talvez a mais bela noite de amor alguma vez vivida em toda a História dos amores. Fomos mais que um só, fomos o símbolo da união e perfeição. Fomos o dois, e fomos o três. Fomos o dois, o dois da união, e fomos o três, o três da perfeição. Naquela cama, por entre lençóis e suores, fluidos e gemidos, lá estávamos nós, totalmente entregues um ao outro. Eu, tu e o nosso amor. Essa fora uma noite no meio de tantas e tantas que passámos nestes quase quatro anos. 

Dei por mim, a fitar o tecto, perdido no espaço e no tempo, a recordar a memória de ti. Tinha um sorriso no rosto, e uma lágrima no canto do olho. Olhei para a nossa fotografia, aquela que tirámos quando fomos àquela que é chamada de cidade do amor. Paris. Atrás de nós, luminosa, estava a Torre Eiffel, apenas ofuscada pelo teu sempre radiante sorriso. Podiam ligar todas as luzes, aumentar o Sol, que tu brilharias sempre mais, mais que qualquer estrela. Mais que tudo.

             Dói-me sentir que já não estás aqui comigo. Dói-me mais ainda saber que me foste tirada. Não merecias. EU não merecia perder-te, não desta forma. Uma recordação que estava tão presente na minha memória era a daquela palavra. Leucemia. Pus a mão no ombro. Foi como se ainda sentisse as tuas lágrimas, quando te apoiaste nele depois de o médico dizer aquela palavra. Leucemia. Apertaste tanto a minha mão. Eu fiquei sem reacção. Não sabia que te dizer, ou fazer, ou fosse lá o que fosse. O ser humano não está concebido para situações destas. O médico deixou-nos a sós, para digerirmos tudo aquilo. Não sei quanto tempo estivemos ali. Chorámos. Estive a teu lado nos altos e baixos, por entre exames e tratamentos, e a busca de um dador compatível, que, infelizmente, nunca viria a aparecer. Tentaste afastar-me, pensando que talvez assim eu sofresse menos. Oh amor, como eu te conheço. Eu sabia que o farias, mas eu não te deixei só. Vi a vida desvanecer nos teus olhos, a cada dia que a doença se apoderava de ti. E partiste. Nesse dia o Sol nasceu e pôs-se sem que se lhe visse a cor. O céu ficou cinzento, escuro, carregado de chuva, como se também ele fizesse luto por ti. Tudo passou a ser sem cor, sem luz, sem vida. A vida, por si só no termo da palavra, já não o era. Eu não vivo sem ti, apenas sobrevivo. Ainda hoje sinto o vazio que deixaste. Ainda hoje te amo, mesmo sabendo que não estás aqui. Ainda hoje...
                                                                                     Por:  Filipe Sardinha (Pipoo)

This entry was posted on quarta-feira, fevereiro 9 at quarta-feira, fevereiro 09, 2011 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

6 Devaneios

Adoro o texto, e adoro o autor. Parabens por este blog excelente, por esta ideia bonita, e continuação de um bom trabalho.

9 de fevereiro de 2011 às 12:27

Ainda hoje, porque o Amor não morre com a Morte do Amado...

Parabéns pelo texto!

Beijitos :)

9 de fevereiro de 2011 às 23:22

Excelente texto, que nos faz pensar e sentir.
Muito bom.
Parabéns!

11 de fevereiro de 2011 às 09:52

espero que gostem, sou eu o autor do texto, para mais algo, passem no meu blog:

Para ser grande, sê inteiro e Eu não gosto de fazer a barba

:)

11 de fevereiro de 2011 às 18:33
Anónimo  

Excelente Texto!

Continua assim :)

12 de fevereiro de 2011 às 12:34
Liliana Alves  

A força das palavras é,para mim, algo muito importante na criação de um bom texto.
E é desse modo, que ao ler este texto, reconheço a sua força de expressão.
É fantástico o modo como brincas com as palavras.
E também, muito importante o sentimento que consegues causar no leitor.
Grande texto, Força aí nas palavras

15 de fevereiro de 2011 às 21:52

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