Pensei primeiro em fumar um charro. Mas não tenho nada aqui em casa, e depois dava-me para ter a mania da perseguição... O que pensando bem até podia dar um grande policial,
ou thriller... Bah... Veio-me à ideia o vinho de mesa que está no frigorífico. Mas já deve ser vinagre, ou sempre foi... ou lá o que é... Tenho que conseguir escrever algo de jeito! A editora depende de mim, e eu dos meus leitores. Estou sem vontade de pensar em merdas que outros já pensaram. Ler um livro de outro escritor é demasiado irónico. Não quero isso... ai as horas! Acho que vou fazer um chá para acalmar... porra! Agora não me sai da cabeça o Lewis Carrol... A Alice e o Coelho...
Ahahaha... estou maluco e a minha vida não é mais que um manicómio gigante, onde sou escritor de contos estranhos para crianças!
Estranhos não, porra! Os meus contos são normais, as crianças é que são estranhas, escrevo mesmo para as irritar, pois elas irritam-me! "Eu quero isto, eu quero aquilo", ahhhh, odeio pedintes, pior pedintes exigentes, "queres? vai trabalhar". Sim e porque não? Tenho uns ténis giríssimos, Adidas made in China, que foram feitos certamente por criancinhas. Bolas, os ténis estão muito bem feitos, bem melhores que aqueles desenhos sem nexo que os putos que eu conheço fazem! Odeio, que numa da minhas sessões de autógrafos imaginárias, venham aqueles pais babados, dizer: "O meu filho adora os seus contos e fez este desenho para si". Olho para o desenho e vejo um sol a rir, uma árvore e uma casa. Tudo torto e uns bonecos cabeçudos que representam alguém, que não me interessa quem são. São monstros. Dá-me vómitos.
Aceito e calo-me, querendo dizer, "espero que o seu filho tenha mais sucesso a fazer betão num obra pública, pois a arte não é com ele".
Viro costas e sinto um enorme "plim" dentro de mim. E se alguém naquele momento tivesse o dom da visão imaginária, veria em cima da minha cabeça, uma enorme lâmpada a brilhar. Todo eu era ideias. Todo eu tremia com a vontade de passar para palavras o que me soluçavam as imagens que ia construindo mentalmente. Saio dali a correr, para não me esquecer de nenhum pormenor. Na rua quase que consigo ouvir o "tlec tlec" das teclas do computador, com os meus dedos a pisar cada letra e a passar para o monitor as palavras, as frases e a fantástica ideia que aquele encontro estúpido tinha provocado. Não consigo parar de rir por me apetecer gritar "Eureka" no meio da avenida em pleno dia e compleamente sóbrio. Quase que me vejo já sentado a escrever a minha obra prima. O meu Nobel... e tropeço no poste que, alguns metros antes (posso até jurar) estava mais para o lado direito. Endireito-me e continuo a correr. Mais calmo, sentia agora o vento na cara. Ouvia todos os barulhos da cidade e já não ouvia o "tlec tlec" do teclado.
E a correria mantinha-me mais atento às pessoas, que não se desviavam da frente para me deixar passar, que à minha imaginação.
A minha imaginação corre, corre como corro eu. Olho para as pessoas e só vejo potenciais histórias para o meu próximo livro. Metade das gajas parecem-se com a fada Sininho, a puta é boa, canita mas boa. Apetece-me espancar todas as pessoas que se parecem com o Peter Pan, mas são tantos. Ahahahahahaaha. "Saiam da frente, o Capitão gancho vai a passar". Paro. Bati de frente contra uma velhota. Ela está no chão e não me parece em bom estado. No entanto não consigo parar de rir. Escuridão... Onde estou? Ao abrir os olhos parece que o tempo parou por momentos. Lembro-me de estar na rua, a rir de uma velhota aos gritos no chão e agora estou aqui. Mas onde? Estou vestido de branco. Chão branco. Paredes brancas. Tecto branco. Tudo é branco e almofado. É um quarto verdadeiramente acolhedor e confortável. Mas este fato que me vestiram, não dá grande jeito, a camisa obriga-me a abraçar o meu próprio corpo, não tenho liberdade de movimentos. Ouço um som. Uma pequena gaveta abre e um prato de papel, com uma papa estranha desliza para o interior do quarto, mas sem talheres.
"Hei", digo eu.
"Sim?" responde uma voz do outro lado da porta.
"Como é suposto eu comer com as mãos presas?"
"Com a boca!", responde a voz em tom de ironia.
"Precisa de mais alguma coisa?", diz a mesma voz.
"Sim, por acaso preciso"
"Diga lá, que eu vejo o que posso fazer"
"Coça-me os colhões"
A voz não responde. A pequena gaveta fecha e eu, rio, rio perdidamente, ouvindo o meu eco ao longe, em segundos ouço muitas outras gargalhadas, de felicidade incontrolável como a minha.
FIM