Cadáver Esquisito I  

Posted by Bruno Fehr in

A Viagem

Era uma vez, uma merda de vida, ou seja, a puta da minha vida.
Mas que raio faço eu aqui? Como é que cheguei aqui?
Um canudo na gaveta, resultado de 17 anos de estudo que afinal não me foi necessário. Andei a estudar só por desporto. Um bom emprego que me paga as dividas os vícios e mesmo assim posso estragar dinheiro. Uma namorada toda boa. Uma família que me apoia. Casa, carro, amigos. Tudo corria bem. Até ontem.
Ontem fui despedido, hoje perdi a minha namorada. A minha família critica-me e os meus amigos já não me acham digno de ser visto com eles. Mas o que é isto? O que aconteceu? Como é que o meu mundo caiu assim de um dia para o outro.

Estou deprimido como é óbvio. Não tenho como pagar as minha dividas, não tenho dinheiro para os prazeres mais simples, como um café depois de jantar. Aliás não sei até quando poderei jantar.
Ando deprimido, perdi peso, perdi a esperança, perdi os meus sonhos. Sou um recluso dos meus mórbidos pensamentos. Já ouço rumores sobre mim, que me fazem questionar se alguma vez alguém me conheceu. Até a minha própria família me virou as costas. Não tenho nada para lhes dar e eles adoram pedir, sempre pediram e eu sempre dei sem nada pedir em troca. Não pe
ço. Prefiro passar fome a pedir o que quer que seja. Não têm nada a temer nesse aspecto.

Mas como passei eu de menino bonito, o orgulho da família, a um drogado? O porque raio me acham um drogado, eu nunca toquei em droga na minha vida. Perdi peso, pois não tenho apetite, não durmo porque tenho problemas demais na minha cabeça. Estou desesperado e não tenho ninguém que me empreste um ombro, um abraço, um ouvido, uma palavra amiga. Ajudem-me, não quero nada de material, quero companhia para não me perder de vez.

Estou farto disto tudo. Farto de pessoas falsas, sinto-me usado, inútil quero desaparecer, mas sou ou consciente demais, ou cobarde demais para dar um tiro na cabeça.

Vou mesmo desaparecer. Preparo uma pequena mochila. Pego no pouco dinheiro que tenho. Entro no meu carro, encho o depósito e parto.


Para onde vou, não sei, vou andar até o carro parar e depois... veremos. Nada mais tem valor para mim. Nem eu próprio. Sigo sem rumo pelas estradas da vida em busca de algo, de me encontrar pelo caminho, ou de me perder de vez.


Não sei como vim aqui parar. Parece-me que adormeci ao volante e algo ou alguém me trouxe para este sítio. Acordei num daqueles típicos Motéis de fim de estrada. Dos que vemos nos filmes em que o gajo acorda sozinho num quarto escuro. Sento-me na cama, na qual dormi vestido e fumo um cigarro. A única diferença, entre a ficção e a realidade, é que eu dormi nu. Está um calor insuportável, e mesmo com as janelas abertas e as persianas fechadas, existe este bafo quente no ar que se torna doentio. Sinto-me doente, e não é só deste calor.

Puxo do cigarro e coço os tomates. Por mais que tente, não me consigo lembrar de como cheguei a este quarto. Quem me despiu? E onde raio está a minha roupa? Isto não faz sentido. Tenho o tabaco em cima da mesa junto com as chaves do carro e a minha carteira. E o dinheiro está cá todo!

Dirijo-me à casa-de-banho. Acendo a luz e tento não olhar-me. Lavo a cara. Pego na toalha com que me sequei e coloco-a à volta da cintura. Saio do quarto para ver onde estou e da varanda, vejo o meu carro de frente para a porta. Não vejo ninguém. E não há mais nada que me possa dar pistas sobre o local onde me encontro. O pinhal cerca o motel.

As minhas roupas não estão no quarto. Na casa-de-banho também não. Por ter visto apenas um carro no parque, e esse ser o meu, tomei a liberdade de descer até à recepção, só de toalha.

No elevador, foi impossível não me olhar no espelho. Vi-me com os olhos de quem desesperadamente tenta compreender, mas também vi os olhos de quem sabe. Virei-me de costas para o reflexo.

Na recepção, um velho gordo e careca, em tronco nu, disse-me que eu tinha chegado sozinho mas que esperava um amigo. Não sei do que fala, mas continuou, dizendo-me que esse amigo teria saído de madrugada, levando consigo um saco. Como não o viu de frente, não mo conseguiu descrever.

Deu-me a roupa que visto agora. Paguei-lhe a noite e saí. No carro, não encontrei nada de estranho. Nenhuma prova, nenhum sinal…

Fiz-me à estrada novamente. Perdi-me em pensamentos…

Ao mesmo tempo, tenho a calma de quem sabe o que se passa. Ou pelo menos, do que se passou.  O certo é que desde ontem, no carro, não tenho memória de nada. E se isto não me assusta, então é porque está tudo bem... ou assim o espero.



FIM

Por Crest & Ipsis Verbis

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31 Devaneios

Este comentário foi removido pelo autor.
12 de novembro de 2008 às 01:28

Gostei da junção... coerência e harmonia entre as partes.
Visto que Ispis desconhecia o inicio do texto, se saiu mto bem!

=]

12 de novembro de 2008 às 02:05

A Mor.. disse...

"Gostei da junção... coerência e harmonia entre as partes.
Visto que Ispis desconhecia o inicio do texto, se saiu mto bem!"

Sim, correu bem demais, no próximo texto vamos arranjar maneira de complicar isto :D

12 de novembro de 2008 às 04:20

Quanto ao texto em si, gostei de ver que a Ipsis reparou num detalhe que me escapou quando escrevi o texto:

No parágrafo que lhe dei, só a frase, "Nem eu próprio", identificava o sexo da personagem. Ela pegou nisso muitíssimo bem, acabando por usar um fantástico, "Puxo do cigarro e coço os tomates".

Muito bem visto, no próximo vamos dificultar isto um pouco :D

12 de novembro de 2008 às 04:24

Excelente!!
Sem dúvida que a Ipsis conseguiu captar tudo muito bem no parágrafo que lhe facultaste. Tenho adorado cada pedacinho deste blog...é bom ler-vos por aqui!

Beijinhos
P@pinh@

12 de novembro de 2008 às 11:32

Até poderia ter sido escrito pelo mesmo!
A Ipsis fez um excelente trabalho! (Também).

Até eu tive pena do homem...

;)

Boa continuação!

12 de novembro de 2008 às 12:27

acho que funcionou muito bem! estão em sintonia :)
estão os dois de parabéns!

12 de novembro de 2008 às 14:40

eh pah, incrivel, saiu mesmo bem!! =)))

loool, por acaso pensei, eh pah e agora a ipsis torna o gajo em gaja?...voltei a ler o texto a cinzento, e lá estava a clara indicação de que era gajo. E foi inconsciente? Há inconsciências muito conscientes! =D

identifico-me com a primeira parte do texto...assim na vale...

12 de novembro de 2008 às 21:27

pensei, a ipsis torna o gajo em gaja, antes de ler a parte escrita por ela loool.

Mas uma cena aviso já: detesto (abominooooo) coçadeira de tintins!!! LOOOOOOOOOOOL

12 de novembro de 2008 às 21:28

Muito bom! Sem perder a coerência do início dado pelo Crest a Ispis Verbis consegue dar a volta à história!

Interessante como começa "Era uma vez, uma merda de vida, ou seja, a puta da minha vida.",interessante como acaba "E se isto não me assusta, então é porque está tudo bem... ou assim o espero."

T

12 de novembro de 2008 às 23:49
Anónimo  

Um texto bem interessante, se não tivesses explicado que tinha sido escrito a duas mãos, nunca diria que não tinha sido escrito pela mesma pessoa. Incrível como com só um pequeno parágrafo conseguiu que a estória fosse coerente.

13 de novembro de 2008 às 01:32

Papinha disse...

"Sem dúvida que a Ipsis conseguiu captar tudo muito bem no parágrafo que lhe facultaste. Tenho adorado cada pedacinho deste blog...é bom ler-vos por aqui!"

Obrigado!

O bom mesmo que é que autores dos textos comentassem um pouco mais NÃO É IPSIS???

13 de novembro de 2008 às 05:01

Pax disse...

"A Ipsis fez um excelente trabalho! (Também)."

Fez sim, mas ela parece que só comenta os blogues de terceiros e nunca o dela!!!!

13 de novembro de 2008 às 05:02

ceptic disse...

"acho que funcionou muito bem! estão em sintonia :)
estão os dois de parabéns!"

Obrigado, mas parece que só estou cá eu para os receber, ehehehe

13 de novembro de 2008 às 05:02

Van disse...

"loool, por acaso pensei, eh pah e agora a ipsis torna o gajo em gaja?...voltei a ler o texto a cinzento, e lá estava a clara indicação de que era gajo. E foi inconsciente? Há inconsciências muito conscientes! =D"

Nem sequer pensei em dar a indicação do sexo, não foi planeado, visto que o objectivo é complicar e não simplificar.

"identifico-me com a primeira parte do texto...assim na vale..."

Ahahahahaha


"Mas uma cena aviso já: detesto (abominooooo) coçadeira de tintins!!! LOOOOOOOOOOOL"

Inveja? AHhhahahaahahah

13 de novembro de 2008 às 05:05

Sim, está gira a experiência gostei muito do texto dos 2, só espero que a inspiração continue :P Bem hajam .

13 de novembro de 2008 às 20:52

Comentar? Eu... err... ora bem... o texto está muito bem conseguido, sim... nem parece que foi feito a duas mãos. eheheh... e gosto das cores em que foram postados...
ahahaha.

Obrigada a todos pelos vossos comentários. Assim dá vontade de fazer mais e melhor :)

13 de novembro de 2008 às 22:21

Ipsis,

Deixa-me só dizer mais isto:

A ideia da amnésia foi de mestre!
Desarmava qualquer complicação do mister Crest, lol.

Beijos :)

13 de novembro de 2008 às 23:22

Pax:

Lol. Daí a ter usado :P

(não há cá complicações quando se é a segunda a escrever com a ajuda de um parágrafo que até revelou o sexo da personagem... no próximo texto vai ser diferente e já me estou a ver num beco sem saída e sem telefone ou "blue pill" ahahahahahah)

13 de novembro de 2008 às 23:36

I.D.Pena disse...

"Sim, está gira a experiência gostei muito do texto dos 2, só espero que a inspiração continue :P Bem hajam ."

O segundo, já está no forno!

14 de novembro de 2008 às 00:54

ipsis verbis disse...

"Comentar? Eu... err... ora bem... o texto está muito bem conseguido, sim... nem parece que foi feito a duas mãos. eheheh... e gosto das cores em que foram postados..."

Lol, sim, ok as cores sao tuas, eu nao tenho jeito para decoração!

14 de novembro de 2008 às 00:55

Pax disse...

"A ideia da amnésia foi de mestre!
Desarmava qualquer complicação do mister Crest, lol."

Ahahahaha, mas eu tenho a sensação que ele sodomizou a minha personagem....

14 de novembro de 2008 às 00:57

ipsis verbis disse...

"(não há cá complicações quando se é a segunda a escrever com a ajuda de um parágrafo que até revelou o sexo da personagem... no próximo texto vai ser diferente e já me estou a ver num beco sem saída e sem telefone ou "blue pill" ahahahahahah)"

Pois, este vai ser MUIIIIITO diferente :)

14 de novembro de 2008 às 01:08
Anónimo  

Eu peço desculpa, mas tenho de falar... e para discordar! lol (acho que também se pode!)
por mais que haja coerência entre as duas partes, nota-se que são duas escritas demasiado diferentes... Começa com uma situação concreta e acaba de forma, para mim, um pouco imperceptível e confusa Fiquei um pouco à deriva!... Mas quero ver o próximo...

14 de novembro de 2008 às 08:36

Vim parar aqui pelo blogue do Crest e estou a gostar muito. Voltarei. Good Work People!

Dentadinhas do inferno ;)

14 de novembro de 2008 às 14:02

Parabéns a ambos!
Evitei comentar, mas tinha que vir cá, depois de conhecer esta face da Ipsis... muito bom, contudo, espero que com mais pujança criativa no futuro!
Ao Crest não se aponta nada... ele governa-se com ou sem tinta na caneta. (acho eu)
Surpreendente... vejamos o que se segue!

17 de novembro de 2008 às 06:39

Obrigada alfmaniak. Vamos ver como sai o próximo texto... :D

17 de novembro de 2008 às 15:27

lilith, desculpa, passei o teu comentário...

Obrigada e volta sempre.

E espero que já tenhas o link directo para cá :P

17 de novembro de 2008 às 15:29

(lol... estou a deixar passar os comentários todos.)

Yargo, "um pouco à deriva" é bom... eheheh. Volta para o próximo, pode ser que te sintas ainda mais à deriva. E isso também vai ser bom. :)

17 de novembro de 2008 às 15:31

Nota de rodapé: Reparei hoje que o meu "nome" no final do texto, em vez de ipsis, estava como ispis. Daí o erro em quase todos os comentários. Já o corrigi. ipsis ipsis IPSIS! Fácil.

17 de novembro de 2008 às 15:34

Ena!!!

Este era um jogo da minha adolescência... :D

Só vos comecei a ler hoje (o Cadáver Esquisito), mas é para ler todos... lol

Muito giro, sim, o conceito e o desafio.

Quanto a este Cadáver em particular, eu também acho que deve ter sido sodomizado...lololol

Mentira, acho que foi uma reviravolta que me deixou a pensar, em estilo de policial, o que se terá passado naquele quarto e porque ficou sem roupas... Mistéééééériooooo...

Good work!

Beijitos

26 de abril de 2009 às 21:11

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