Um  

Posted by Jane Doe in

Perturbadamente fechou a mala de viagem. Bateu com a porta, deixando um gato miante, chorante quem sabe já de saudades, para trás. Enfiou a mala na bagageira e fechou-a com um estrondo. Queria sacudir aquilo mas não conseguia. Não com bater de portas, não com o arremessar violento de uma mala para um espaço vazio. Sabia que estava a fechar A porta atrás de si, sem estrondo, sem ondas, sem rasto de nova abertura. Eles iludiam-se com o seu sorriso, quando ela apenas estava destruída, e apenas fugia daquela destruição. Para bem longe.

Ao ver aqueles pequenos e mágicos seres correrem-lhe para as pernas, e abraçá-la, sentiu o mundo suspenso. Se a Vida fosse aqueles pequenos Magos, ela ficaria. Mas fez o maior esforço do mundo para que este abraço fosse a única coisa que viesse alguma vez a recordar. Ao olhar para cima, para o mundo em que estava inserida, estavam uns olhos interrogantes. "Estás bem? Tens a certeza que é isto? Que estás feliz?" "Sim. Absolutamente sim!", respondeu, fazendo um sorriso desmesuradamente grande, em comparação à pequenez da sua alma.

Saiu com a Alma em sangue. Não se importava. A alma sangrava, mas ela já não sentia.

MENTIRA!

Ele estava à sua espera. Brincou com as mãos nervosamente, ao vê-la chegar. Não falaram. Abraçaram-se. Num abraço perdido em todas as coisas que poderiam ter vivido mas não viveram porque nenhum se atreveu a dar o primeiro passo. Agora ela ia-se embora, e essas coisas seriam apenas suposições. Ele continuaria com a pessoa que dizia que amava. Mas naquele abraço tudo foi dito. Ao afastarem os corpos, as almas ficaram unidas por uma desoladora Saudade, que nunca os deixaria esquecer. Ele rompeu o silêncio para dizer "Gosto muito de ti. Tu sabes". Mas sabiam que era um amor. Sonhado, não consumado pelas barreiras e muralhas de cada um.

Alguém, no meio de abraços, falsas lágrimas e falsos sorrisos lhe perguntou se não se despediria dela. "Não". Era a ela quem mais queria esquecer. Tinha-a matado, naquele dia, há anos atrás no enterro da sua amada avó. Tinha-a apunhalado tantas vezes quantas ela a fez chorar, ou golpear-se a si mesma.E agora não queria saber dela. Para ela, tinha morrido.

Sentou-se, confortavelmente no banco do condutor, saboreando (não saboreando) aquela partida.

Horas de condução, sem parar, sem comer, sem dormir. Placas e placas a indicar o caminho que ela automaticamente percorria. Músicas e músicas que ouvia sem ouvir.
Na sua alma aquilo dormia, profundamente, num sono incómodo, mas esquecido. Tinha tentado arrancar aquilo de dentro de si, aquele monstro, mas não conseguiu. Existia como desde quase sempre tinha existido, estava lá.

Olhou o banco ao lado. A navalha que sempre trazia. Fez uma paragem brusca, na estrada, junto ao mar.

Com a navalha na mão, foi golpeando, num gesto já conhecido, cada centímetro da sua pele.

This entry was posted on sexta-feira, janeiro 9 at sexta-feira, janeiro 09, 2009 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

6 Devaneios

Mmm isto promete ...

:)

10 de janeiro de 2009 às 15:39

uiii...onde é que isto vai dar?? cá esperamos...
Beijinhos
P@pinh@

12 de janeiro de 2009 às 14:06

Gostei, fiquei positivamente surpreendido :)

13 de janeiro de 2009 às 00:32

I.D.Pena, Papinha:

Isso agora... têm de estar atentas;)

Bruno Fehr:

Obrigado:)

13 de janeiro de 2009 às 12:19

bem, bem, bem...vamos a ver onde os golpes de navalha vao dar :) gostei!

25 de janeiro de 2009 às 17:24

Van disse...

Obrigado;)

7 de fevereiro de 2009 às 00:25

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