Gosto disto. É como se estivesse numa sala sem paredes. Talvez tenha paredes, eu é que não as vejo.
Reparo que não falo comigo, simplesmente penso. Quem bom. Pensar é sem duvida a melhor maneira de conversar com alguém que nos ouve realmente. Alguém, que mesmo que não nos entenda, nos ouve e nos apresenta uma infinidade de possíveis soluções, respostas, argumentos, tal como as que eu me apresentei, tendo no final optado pelo suicídio.
Não estou minimamente preocupado com a reacção das pessoas ao verem-me pendurado pelo pescoço, do alto da minha varanda. Rio, ao imaginar-me pendurado ao nível da janela da sala do meu vizinho do primeiro andar, fazendo-lhe uma careta.
Aqui, neste estranho e escuro local para onde fui transportado após a minha morte, ninguém me pode incomodar, ninguém me pode chatear. É o oposto do mundo em que eu vivia, não querendo viver. Gosto de aqui estar e mesmo agora cheguei. Gostaria que pudessem ver toda esta paz. É lindo, pois não tem nada para ver. Mas, não posso mostrar a ninguém e ainda bem, pois se o fizesse mais gente quereria para aqui vir tornando este mundo, no inferno do qual acabei de fugir, no qual a vida me foi imposta, obrigando-me a suportá-la. É aqui quero morar, eu e o meu pensamento, que juntos somos um.
Aqui posso-me perder em pensamentos, estar sozinho sem nunca estar só. Eu gosto de estar comigo de conversar comigo, nem sempre me compreendo, mas ouço-me e no fundo é só isso que precisamos, de alguém que nos ouça, mais do que isso, que nos compreenda ou pelo menos tente.
Aqui, já não ouço vozes, só o meu pensamento, que na verdade parece não ser unicamente dentro da minha cabeça, pois ouço-o com o eco deste local que me parece infinito.
Não me sinto a passar pelo tempo, é como se ele não existisse, tal como nunca existiu, mas que mesmo assim sempre controlou a minha vida. Não me sinto cansado, sinto-me novo e livre.
O meu silencio é interrompido por sussurros... são vozes, mas não as que ouvia antes. Estas parecem falar de um local fora do meu infinito. Vozes de pessoas atarefadas que quebram o meu silencio. Não. Não quero ser interrompido, quero o meu ruidoso silencio de pensamentos, quero perder-me em divagações sem sentido, quero tentar perceber o que penso e conversar comigo próprio. Deixem-me.
"Não vais ouvir o que dizem!"
"Voltaste?"
"Eu nunca parti"
"Mas..."
"Podes tentar matar-te, que eu não te vou deixar"
"Tentar?"
"Vida. Morte. Nem tudo é preto e branco, há o cinzento"
"Eu matei-me"
"Há coisas piores que a morte"
"Eu estou vivo?"
"Não"
"Morto?"
"Não"
"Então mas..."
"Ouve as vozes"
"Estão longe, não consigo ouvir"
"Não ouves porque não as queres ouvir, elas falam para ti. Luta"
"Luto? Passaste a minha vida a dizer-me para desistir"
"Ahahah, luta"
Não estou morto, não estou vivo, onde estou? Como estou?
Não vejo uma luz ao fundo do túnel que me levará ao céu, nem um buraco sem fim que me levará ao inferno. Nada!
Sinto dor. Não é bem dor, sinto uma dormência pelo corpo, uma inércia que me parece dor, mas não dói, é... Estranho.
A minha escuridão é quebrada por uma linha de luminosidade horizontal que ocupa todo o meu campo de visão. Uma linha semelhante à do horizonte que dividia o mar do céu, em todos os por-do-sol que vi. Gostaria de ter visto mais.
A linha aumenta de tamanho invadindo o meu confortável mundo. Nada vejo, a luz cega-me. Vejo sombras, e lentamente os meus olhos habituam-se à luz o que me permite finalmente ver...
... Não!!!!
Final dia 23.02.2009