Coma (parte 1/3)  

Posted by Bruno Fehr in

As vozes não me deixam pensar, não me deixam dormir. Em desespero imploro-lhes para que parem. Não param e voltam sempre.
Não me lembro de quando as ouvi pela primeira vez, começo a acreditar que sempre as ouvi, que sempre estiveram comigo, que sempre me controlaram mas só agora reparei nelas.
Questiono-me sobre quem são, o que querem... Até que, as questionei. Inicialmente ignoravam as minhas perguntas dizendo unicamente o que queriam, mas com o tempo, passei a obter respostas, ou pelo menos meias respostas:

"Eu sou tu"
"E quem sou eu?"
"Ninguém. Desiste!"
"Desisto de quê?"
"Desiste!"

No inicio eram duas. Uma era suave e reconfortante. A outra arrogante e agressiva. Com o tempo fui ouvindo a suave cada vez mais distante, até que a deixei de ouvir, ficando dominado pela outra.
Esta voz não sou eu, não posso ser eu, nem o eu que criei durante a minha vida. Ela diz-me para desistir, que o mundo não precisa de mim, que se eu desaparecer ninguém me iria procurar ou sentir a minha falta. Talvez seja verdade, não sei.
Eu não quero morrer. Não tenho razões para viver, mas não significa que queira morrer. Quero viver em paz. Eu estou em paz com o mundo, mas não estou em paz comigo. Paz é tudo o que quero, mas a voz não me deixa.

"Que fazes?"
"Deixa-me!"
"Para que queres essa corda?"
"Deixa-me, já disse!"

Hoje decidi fazer mudanças radicais na minha vida. Não sou bom em matemática ou calculo, nem tenho tempo para pensar nisso.
Preciso de uma base sólida. Passo a corda pelo cano de escoamento de águas da varanda, abraçando toda a parede da mesma. Dou um nó de marinheiro que aprendi num livro que comprei para o efeito, só para ter a certeza que não se desata. Tenho a base fixa que preciso.
Na outra extremidade faço um outro nó bem mais fácil, um nó de correr com laço. Enfio a mão nesse laço e puxo. O nó está perfeito.
Dou folga à corda e coloco-a em volta meu pescoço. Lanço-me do terceiro andar.

A corda estica. 1 segundo de dor. Paz, é o que sinto.



Continua dia 21.02.2009

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13 Devaneios

"A corda estica. 1 segundo de dor. Paz, é o que sinto."

O problema/desvantagem é que não é só 1 segundo de dor...

19 de fevereiro de 2009 às 00:26

LaveyGirl disse...

"O problema/desvantagem é que não é só 1 segundo de dor..."

Na verdade eu fiz os cálculos, tendo em conta um corpo de 65Kg em queda de terceiro andar... o peso que atinge ao chegar ao primeiro dá morte instantânea, sem margem para dúvidas. Ao partir o pescoço e destruindo a medula. Nao calculei o aperto gerado pela corda, pois não sou assim tão bom a matemática. Mas não tenho dúvidas que dois andares de queda, garantem morte instantânea em enforcamento.

A morte lenta de enforcamento é quando o salto é de um ponto baixo, em que o corpo não tem um aumento considerável de peso.

Acho importante esclarecer este facto.

19 de fevereiro de 2009 às 01:03

"Eu estou em paz com o mundo, mas não estou em paz comigo. Paz é tudo o que quero, mas a voz não me deixa."

No meio da esquizofrenia, um momento de lucidez.

"Preciso de uma base sólida. Passo a corda pelo cano de escoamento de águas da varanda,"

E aqui um momento que parecia de loucura... toda a gente sabe que os canos de escoamento de águas não suportam muito peso.
Mas depois tinhas que me estragar o comentário com isto:

"abraçando toda a parede da mesma."

bolas... :P

19 de fevereiro de 2009 às 01:10

ipsis verbis disse...

Pois é, eu também reparei que a imagem mental que tinha, poderia ser mal interpretada, por o cano não suportar muito peso. Tomei como exemplo a minha varanda (não é terceiro andar), que tem só um pedaço de tubo que atravessa o cimento.

19 de fevereiro de 2009 às 01:40
Anónimo  

O texto chama-se “Coma “ e disseste num comentário a um outro texto que escreves muito com a ideia da morte mas ninguém morre nos teus contos, por isso ele não se pode ter suicidado, incrível como quando estamos para o deprimido atraímos coisas tristes, de quatro ou cinco blogues que visitei hoje, em três, li textos sobre o suicídio, mas para animar num também li sobre chocolate preto que eu adoro, depois destes textos apetece-me ler Florbela Espanca e saborear um bom pedaço de chocolate.

19 de fevereiro de 2009 às 02:26

São disse...

"O texto chama-se “Coma “ e disseste num comentário a um outro texto que escreves muito com a ideia da morte mas ninguém morre nos teus contos, por isso ele não se pode ter suicidado"

A São tem uma memória incrível :)
Ainda não li nenhum hoje sobre o suicídio, mas também ainda não os li todos, mas já li um sobre chocolate :)

19 de fevereiro de 2009 às 02:31
Anónimo  

"tem uma memória incrível "
Quem me dera, adorava ter uma boa memória, para guardar tudo o que leio, o que vejo, o que ouço, o que sinto o bom e o menos bom, tudo.
"Ainda não li nenhum hoje sobre o suicídio, mas também ainda não os li todos, mas já li um sobre chocolate :)"
Quando estou triste apetece-me ler textos tristes, e penso que os procuro, mesmo que de uma forma inconsciente.

E para compensar esse “tem” lá terá que ser, mais um pedaço de chocolate :)

19 de fevereiro de 2009 às 04:42

O estado de Coma é sem dúvida um estado misterioso, em que as vivências de quem passa por ele são descritas sempre de forma extraordinária!
Para mim há dois estados de Coma, o clínico e o da vida...ainda há muita gente que se conforma em viver em "coma" sem nada fazer...
Como é bom ler-te por aqui...continuo a acompanhar cada pedacinho...

Beijinhos
P@pinh@

19 de fevereiro de 2009 às 11:01

"A morte lenta de enforcamento é quando o salto é de um ponto baixo, em que o corpo não tem um aumento considerável de peso."

Concordo com tudo o que disseste, mas tens de ter em conta o tamanho da corda também. Uma corda que vai de um terceiro andar a um primeiro não é assim muito grande...

Ja fizeste bungee jumping? com cordas pequenas sentes apenas um minor esticão, sem nenhum rebound, com uma grande ao ganhares velocidade o esticão é tão grande que fazes um rebound tremendo! Acabas por sentir mais que um esticão! É esse rebound que faz partir o pescoço e não, não é logo à primeira.

21 de fevereiro de 2009 às 23:01

São disse...

"Quem me dera, adorava ter uma boa memória, para guardar tudo o que leio, o que vejo, o que ouço, o que sinto o bom e o menos bom, tudo."

A memória, mesmo a melhor delas, é sempre selectiva e nós não temos escolha :)

27 de fevereiro de 2009 às 04:38

Papinha disse...

"O estado de Coma é sem dúvida um estado misterioso, em que as vivências de quem passa por ele são descritas sempre de forma extraordinária!"

Sim, eu não tenho grande discrição por experiência, foram para mim uns minutos calmos que foram dias para terceiros.

27 de fevereiro de 2009 às 04:38

LaveyGirl disse...

"Concordo com tudo o que disseste, mas tens de ter em conta o tamanho da corda também. Uma corda que vai de um terceiro andar a um primeiro não é assim muito grande..."

Um enforcamento de cima de um cavalo para o chão, tem 1/4 (+-) dessa distancia e partia a maioria dos pescoços. Do terceiro ao primeiro andar é morte garantida se a corda não partir. Até porque não haverá maneira de salvar a pessoa num local assim. Puxar a corda de um dos andares iria estrangular e uma escada alta, não está ali à mão de qualquer um.

"Ja fizeste bungee jumping? com cordas pequenas sentes apenas um minor esticão, sem nenhum rebound, com uma grande ao ganhares velocidade o esticão é tão grande que fazes um rebound tremendo!"

Fiz uma vez, não vi sentido em saltar estando preso.

"É esse rebound que faz partir o pescoço e não, não é logo à primeira."

Pela investigação de mortes por enforcamento, se não é à primeira o corpo fica pendurado e a pessoa morre por estrangulamento. Mas são raros os casos em que o pescoço não parte. O nó é de correr, se não o fosse seria diferente.

27 de fevereiro de 2009 às 04:38

Creduuuuuuuu, que histórias sobre enforcamentos paaaaaaaaah! bem, um escritor tem de pesquisar, para dar veracidade às suas ideias.

Já estiveste em coma???? o-O aiii...

Não acredito muito em vidas noutro lado ou em corpos flutuando ou em luzes no fundo do tunel. Acredito em neurónios a morrer, que podem dar essa sensação de tunel. Acredito num cérebro mais poderoso do que o que imaginamos e que está programado para nos proteger. Deste modo, como que vivemos, num mundo à parte e sem dor. Qd é assim...

Na verdade, são só conjecturas, pois só perdi a consciência uma vez na vida (tomei banho de imersão com água demasiado quente, tive uma quebra de tensão monumental e desmaiei...caí dentro da banheira -vá lá que já tinha esvaziado a água- e fartei-me de ver livros a voar...engraçado, só pensei em livros e bibliotecas ahahahah). Mas, "vejo" como, ao sermos atacados pela senilidade, somos transportados para épocas em que fomos felizes (cada vez que passava um carro na rua,a minha bisavó gritava, é a carroça Maria, é a carroça que nos vai levar ao baile! :D), seja por estarmos velhos e perto do fim dos nossos dias, seja por termos uma doença incurável que nos come de dentro para fora...
Pior que estar em coma ou estar senil, é, a meu ver, estar como o autor do escafandro e a borboleta... :(( quereres comunicar e não poderes deve ser das piores torturas e ironias do mundo. :(

Quanto ao texto, vou continuar a leitura :))) estou a gostar, lógico :))

4 de março de 2009 às 01:20

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