Há Natais e natais.  

Posted by Jane Doe in

Chamava-se Ines. Era uma pequena rapariguinha, pálida, escanzelada, adulta para os seus curtos catorze anos.
Estávamos no ano de 1945, numa linda noite de consoada, como há muito não se via na Alemanha. A rua estava calma e não se via vivalma. Vivia-se um ambiente de festa, cada família já enternecida no conforto do seu lar.
A de Ines já tinha jantado. Cansada, ainda arranjava tempo para preparar tudo para o dia seguinte, para pôr as prendas debaixo do pinheirinho enquanto deixava um copo com leite e um prato com três bolachas de aveia para quando o Pai Natal viesse.
Acabada tal tarefa, ela dirige-se para a cama, tentando lembrar-se de como era vivido aquele feriado há sete anos atrás, quando não havia preocupações, quando ela se divertia a explicar ao Maik que os cereais ficam melhores com leite quente, quando juntos pegavam nos lápis de cera e desenhavam mil e uma coisas nas paredes lá de casa. E do que a mãe sorria quando a via a correr atrás do seu irmão depois de ele fugir, ciente no mal que tinha feito ao tentar desenhar a sua irmã de pernas para o ar.
Deitou-se ao lado do Maik, o seu irmão, um pequenote de apenas dez anos, farrusco, cabelo desgrenhado e, tal como ela, branco como a neve. Ainda deu tempo para rezar baixinho ao menino Jesus a pedir um bom Natal para toda gente, principalmente para os que por algum infortúnio do destino não poderiam ter o melhor dos natais.
E adormeceu…

Estava uma manhã fria, as ruas estavam cobertas por uma fina camada de neve e já se ouvia algumas crianças a brincar na rua e a cantar conhecidas canções natalícias.
Acordou com o seu irmão aos pulos em cima da cama:
- Ines, Ines! Acorda! Olha o que o pai e a mãe me deram! Vai-se chamar Rolf, tal como o pai! – gritava ele efusivo, enquanto fantasiava mil e uma histórias com o seu novo fantoche, um daqueles feitos apenas com uma meia e dois botões.
- Toma! Abre agora a tua! Quero ver o que te deram a ti.
E Ines abriu a sua prenda, onde vinha também um fantoche. A mulher do Rolf. Era a outra meia, outros dois botões, mas tendo este um par de finos arames fazendo um lindo cabelo comprido ao seu fantoche.
- Bem… Se o teu se chama Rolf como o pai, então eu vou chamar Ester à minha, tal como a mãe. Olha só, o Pai Natal para além de ter deixado as prendas que os pais mandaram também deixou uma carta para nós. Deixa ler…
E numa folha suja, rasgada no canto e um pouco amassada podíamos ler:


“ Olá pequenos. Como estão? Espero que esteja tudo bem com vocês. Tens tomado bem conta da tua irmã, Maik? Ainda ontem estive com os vossos papás e eles dizem que estão com muitas saudades mas que estão quase a voltar para casa, para ao pé de vocês. Espero que gostem das prendas e que se divirtam muito a brincar com os fantoches.



Pai Natal”

Ines sorriu ternamente para Maik enquanto lhe desejava um feliz Natal:
- Anda, agora temos que ir. Hoje como é Natal, pode ser que as pessoas estejam generosas e corra bem.
E juntos, de mão dada, deixaram para trás o pequeno colchão e o despido pinheiro. Juntos, de mão dada, deixaram para trás aquele beco onde tentavam sobreviver. Juntos, de mão dada, foram percorrendo as ruas da cidade, vendo as outras crianças com brinquedos caros, abraçados aos seus pais, a brincar na neve. Juntos, de mão dada, deixaram para trás a família.
Juntos, de mão dada, foram enfrentar a dura realidade de serem órfãos com apenas catorze e dez anos.

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2 Devaneios

Fantástica a forma como a irmã cuida do irmão para lhe dar um pouco de sorrir.

Uma história real para muita muita gente. Como tantas outras que muitas vezes escrevemos como ficção sendo elas uma dura realidade.

Mesmo que não para nós.

:)

4 de janeiro de 2010 às 00:15

Achei este belo e triste.

Quase esperava este final.

Beijitos

4 de janeiro de 2010 às 01:51

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