Capítulo III  

Posted by John Doe in

Andaram cerca de 15 minutos até que ela entrou num prédio na nova urbanização feita junto ao rio. Ele seguiu pela rua até ao parque de estacionamento mais à frente, parando junto a um Clio já com a tinta a cair e ferrugem a despontar onde esta falava. Tirou as chaves do bolso, abriu a porta e entrou para o lugar do condutor. Deixou-se estar quieto, fumando o cigarro que acabava de acender. O silêncio imperava dentro da viatura, ouvindo apenas o som do papel que queimava a cada aspiro do fumo e o som da expiração quando o libertava. Com um gesto rápido tirou o capuz que o cobria e recostou-se um pouco mais no banco. Gozava do silêncio que por ali reinava, sem pessoas, sem carros a passar. Mesmo a chuva miúda que continuava a cair não fazia barulho. Baixou o vidro um pouco e sentiu o frio bater-lhe na cara quase como uma palmada sem mão. Mandou a pirisca fora e ficou a ver o resto do cigarro absorver a água até se desfazer. Rodou a chave na ignição até o quadrante ficar com as luzes acesas e passou o limpa pára-brisas deixando os olhos seguirem o movimento acompanhado pelo som estridente da borracha que se esfrega de encontro ao vidro. Conseguia ver o prédio onde ela tinha entrado, sabia qual o seu andar, sabia até qual a sua janela.
Na sua mente o plano calculado era revisto. A entrada, o trabalho, a saída... A saída era sempre a mais importante. A ideia de ser mandado para um calabouço não o agradava, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha de alto a baixo.
Retirou o plástico que cobria o volante e caiu-lhe no regaço o envelope castanho que lhe tinha sido entregue. De dentro retirou a fotografia dela e os apontamentos que tinha tomado nota ao longo das semanas que a tinha vigiado. Releu-as num ápice e olhou novamente a fotografia. De sorriso na cara atravessou-lhe a mente que era um desperdício aqueles olhos não irem ver mais nada na vida. Era um sorriso sarcástico que de indulgência nada tinha. Tinha sido contratado para um serviço e era isso que ia fazer. Nada mais, nada menos.
Guardou tudo novamente no envelope, escondeu-o por baixo do polo, fechou o vidro e saiu do carro. A chuva continuava incessante, picando-o como dezenas de alfinetes, e caminhou pela beira do rio até debaixo da ponte. Tirou o envelope e ateou-lhe fogo, aproveitando a chama para acender mais um cigarro. Ficou a ver arder o papel sendo que a última coisa a desaparecer foram os olhos do seu contracto. Com o pé empurrou as cinzas até à água e viu-as dissolverem-se na torrente que aumentava de força a olhos vistos. Lançou o que restava do cigarro ao rio e avançou lentamente em direcção à entrada do prédio.
Deu a volta pelo empedrado irregular que levava à entrada das garagens, colocou o capuz novamente e as mãos nos bolsos. Sentia outra vez a lâmina nas mãos, fina, fria, dilacerante. O seu corpo começava a dar os sinais de que o gozo se aproximava, sentindo o acelerar do coração a cada passo que dava. A adrenalina fazia o efeito nos nervos dando-lhe o furor para o que tinha que fazer. Chegou à porta de entrada das traseira e olhou em volta para ter a certeza que ninguém o observava, baixou-se a preparou a gazua. Foi fácil abrir a porta, afinal já o tinha feito àquela porta uma boa dúzia de vezes, entrou e deixou apenas encostar sem fechar, deixando o tapete de entrada ligeiramente entalado. Se tudo fosse como nos outros dias, além do apartamento de destino, só um outro no último andar teria alguém. Subiu pelas escadas até ao quinto andar e chamou o elevador. A espera estava-o a deixar naquela inquietude frenética da eminente explosão quase orgásmica. Entra e desce ao terceiro. Com muito cuidado aproxima-se da porta do apartamento pretendido e baixa-se ao nível da fechadura. Introduz a segunda gazua e roda muito lentamente não fazendo qualquer barulho. Entra e encosta a porta, dirigindo-se à sala mesmo em frente.

Olha-a ao fundo, sentada de frente para ele.

- Estava à tua espera. - Disse-lhe ela.

P.S. - Este é último texto que publico aqui. A todos os que me leram o meu agradecimento. Se terá um fim esta história? Provavelmente... Vai-se construindo este texto conforme se vai construindo a vida.
Mais uma vez, os meus agradecimentos pelo cuidado, atenção e até carinho com que fui sendo lido. Um bem-haja a todos e até qualquer dia. Haveremos de nos encontrar numa dessas esquinas da vida.

John Doe

This entry was posted on terça-feira, maio 5 at terça-feira, maio 05, 2009 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

2 Devaneios

Gostei muito do que li, belo espaço, terei que vir com mais tempo...

Até lá, beijo e meu rastoooooooo

5 de maio de 2009 às 18:26

Fica no ar, mas será como um "to be continued".

Sei que termina aqui a tua participação neste blogue e se um dia resolveres voltar serás bem vindo.

Boa Sorte.

9 de maio de 2009 às 05:06

Enviar um comentário