As folhas bailavam em danças desconhecidas do outro lado da janela, ensaiando as suas vestes de Outono. O vento tocava-lhes a valsa, compenetrado.
Os dias começavam a escurecer em horas mais pequenas, e o amanhecer tardava-se no céu, como que mal disposto pelo frio que se adivinhava no despertar matinal.
Na casa amarela a cozinha transformava-se em ventre, quente e confortável. Faziam-se, atarefadamente, bolos e biscoitos, grandes pratos de forno que cheiravam a gengibre e ervas, cozia-se pão, misturavam-se receitas antigas de vinhos e beberagens diversas.
Malua vigiava a cozedura da tarte de cogumelos selvagens que era a preferida de Truan, o marido, que retornava do longo período de expedição às terras selvagens para lá da montanha. Sorria para si mesma, antecipando gostosamente o abraço que a enlaçaria, a barba rija no seu pescoço, a voz forte que a fazia sentir-se rainha.
E, na casa amarela, era. Mas nunca o sentia tanto como quando tinha a família em seu redor, os rostos felizes dos pequenos, a presença segura e amada de Truan, sentado no cadeirão grande da sala.
Johan entretinha-se no pátio, ensaiando batalhas imaginárias com os bonecos talhados pelo pai. Nunca os largava. De momento, e pelo que Malua conseguia distinguir das palavras soltas que lhe chegavam à cozinha, os bravos guerreiros com nomes inventados lutavam pela conquista dos favores de uma donzela imaginária, que a nenhum queria mas a ambos se insinuava. Malua sorriu, pensando que Johan estava a crescer depressa.
Como um remoinho, Katyna entrou na cozinha, alvoraçada. Antes de conseguir recuperar o fôlego que lhe escapava, tentou dizer à mãe que já se ouvia, ao longe, a algazarra de chegada dos homens. O seu cabelo escuro prendia folhas nos caracóis rebeldes, os braços mostravam sinais da recente excursão à montanha. Malua reconhecia em Katyna os sinais da magia que se transmitiam na sua linhagem através do sangue e da alma, e que eram cada vez mais evidentes na garota que em breve seria uma mulher feita, bela e, se continuasse assim, rebelde. Malua sabia que só o verdadeiro amor amansaria o coração puro da filha.
Um sobressalto no coração sussurrou-lhe que Truan estava a chegar. Inconscientemente, passou a mão pelo cabelo, ajeitando-o.
Aí estava ele, com Johan preso de um braço e Katyna alargando-se já em direcção ao seu abraço.
Truan sorriu-lhe.
E o Mundo completou-se.
This entry was posted
on quarta-feira, setembro 8
at quarta-feira, setembro 08, 2010
and is filed under
espelhos
. You can follow any responses to this entry through the
comments feed
.