Palavra  

Posted by LBJ in


Hoje sou abstracto na escrita e uso a palavra porque não sou firme no risco nem hábil no cinzel. Falo de uma rosa sem pétalas nem cheiro que se secou debaixo de um Sol que não se vê sobre as nuvens que não choram chuva porque são brancas como a imaginação de um sonhador de castiçais ou de um pasteleiro de bolos de sal e barro salobro e de uma menina de saia de vento que sopra balões de sabão sentada numa cadeira a quem lhe falta uma perna.

Debaixo do manto da noite esconde-se o némesis do medo apenas reflectido em charcos de água negra ou visível sobre a forma de sombras difusas que me fogem por becos de ruas que já não existem e onde já não há velhas à janela a invejar o par de namorados que se beija numa esquina ou o homem triste que fuma o último cigarro do maço amachucado e jogado ao chão.

Se todo o saber se puder concentrar num ponto fulcral e da ignorância se fizer alavanca qualquer vontade poderá içar a incerteza à altura da dúvida. O amor e o ódio medem-se pela mesma quantidade de letras e são ambos insignificantes em tamanho e tamanhos em significado e fazem-se oscilantes entre o amor que odeio e o ódio que amo.

Romanceio a vida de alguém que ainda não conheci porque hoje não saí deste quarto que não tem portas nem janelas nem há luz além daquela que trouxe comigo e sei que sou incómodo e que estas palavras sabem a um gosto azedo na ponta da língua se lidas em voz alta e que arrepiam a base da nuca se lidas sem som tal como a morte que paciente nos espera sem a sabermos fruto negro ou caminho de mel.

Hoje fui abstracto na escrita e usei a palavra porque não pude ser firme no risco nem hábil no cinzel e queria apenas um dia ser guerreiro armado da mais poderosa palavra que usarei redonda na defesa e afiada na estocada, assim o prometo assim o comprometo assim me submeto.

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5 Devaneios

Hoje foste abstracto na escrita, mas eu li-te perfeitamente nesse jogo de letras e imagens e sons e cheiros e texturas e sabores.
Li-te e entendi-te.

:)

Beijitos :)

13 de outubro de 2009 às 02:18

Não costumo vir aqui, mas hoje passei por cá.
Uma palavra: sublime!

SK

13 de outubro de 2009 às 09:55

És concreto na escrita e firme nos pés que assentam no barro que o cinzel há-de modelar. Falas de uma rosa nocturna cujo perfume persegues por becos de ruas que não temes onde habitam todas as personagens que trazes dentro e que transpiram à sabedoria e ignorância, dúvida e certeza, amor e ódio com que te brindou a vida imutável pensas tu na sua oscilação eterna.

Sais todos os dias do quarto escuro onde, apesar de não ter frestas, encontras sempre luz, porque ela salta das chispas furiosas que se soltam do arrepio da tua nuca que não sabe o que espera embora saiba que a paciência trilha o caminho passo a passo em direcção ao que é diferente e que só armada de palavras e gestos e sentimentos afiados conseguirá submeter a vida ao que quiseres dela.

14 de outubro de 2009 às 00:47

Gostei da entrega mesmo que tenha sido algo abstracta, acho que está formidável :)

14 de outubro de 2009 às 17:58

O abstracto na concretzação do sonho.
Em pinceladas de roamance por inventar.

Palavras que os momentos exigem.
Bj

16 de outubro de 2009 às 05:08

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