Sentada na sua cadeira de baloiço, com a manta a tapar-lhe o colo, e um cachecol a protegê-la do frio, começa, enquanto acaba a minha camisola de lã:
"Segundo a lenda, há muitos anos, (como qualquer boa lenda...) vivia nesta casa uma mulher com a filha. Era mãe solteira, e na altura viva aqui isolada, pois a sua condição era mal vista pela aldeia. As pessoas que a vinham ajudar - trazer-lhe comida, e o padre que a vinha benzer - contavam que ela nunca falava, e que estava quase sempre sentada numa cadeira de baloiço. A filha é que lhe fazia a comida, e a levava para dentro a dormir. A menina nunca ia à escola, e cuidava sempre da mãe, e também das coisas da casa. Era como se a mãe vivesse noutro planeta. Às vezes, a mãe ausentava-se durante horas, ou dias, e a menina ficava à espera dela no baloiço que estava na árvore. Às vezes baloiçava-se sossegada, outras vezes esgravatava as unhas, como fazem os gatos, até fazer sangue. Às vezes chorava sem parar. Um choro miúdo, mas que parecia propagar-se pelo ar e chegar a todas as casas da aldeia. Nunca ninguém ousou aproximar-se da menina quando a mãe desaparecia. Era como se emanasse uma atmosfera de medo que ninguém se atrevia tocar. Uma vez, a mãe desapareceu, mas antes de sair levou a menina até ao baloiço, e fê-la subir, ficando a observá-la baloiçar. Passadas umas horas, levantou-se, e sem dizer palavra, como sempre, foi embora. A menina viu-a partir, não foi atrás, sabia que ela voltava sempre, e deixou-se a baloiçar. Ao fim de três dias a baloiçar, sem comer, sem dormir, começou a chorar, da forma que sempre fazia. Um choro suave que se propagava pela aldeia. A mãe não voltou. E a menina nunca mais deixou de chorar. Dia e noite a aldeia era envolvida naquele choro agoniante, até já não ligarem , até fazer parte do burburinho da aldeia. Um dia, a meio da noite, muitos dos aldeões foram despertados por algo. A ausência do choro. "Morreu", pensaram. Tinha desaparecido. Em breve as especulações começaram, e havia quem dissesse que o seu espírito estava junto do baloiço. Tolices de pessoas que não encontram explicações lógicas, é claro. Dizem que às vezes se ouve o choro da menina, apesar de eu - que moro aqui - nunca o ter ouvido. Esta casa deixou de ser habitada, e as pessoas ainda têm medo de se aproximar, nem sei porquê. Já passou tanto tempo..."
"Mas a bisavó comprou a casa. Não teve medo?"
"Não. Era a casa ideal para mim, para envelhecer como eu queria e o facto de as pessoas não se aproximarem muito ajuda sempre a uma bem vinda solidão. Nunca tive problemas, as pessoas é que criam medos dos medos de outras pessoas que os criam de lendas. Tolices... E aqui tens a história da casa.
Olha, traz-me um copo de água, que tenho sede."
Levanto-me, e quando volto com o copo de água ela dorme. Adormece cada vez com mais frequência, mas não me preocupo, ela não teme a morte.
Saio, aproximo-me do baloiço, sento-me e baloiço, num gesto que me é familiar. Sorrio ante as coisas que foram sendo ditas, ao longo do tempo, e sorrio por estar de novo aqui.
10 Devaneios
Fada:
Obrigada.
A foto, como deverás imaginar, é uma montagem, a partir de duas fotos minhas. Não captei propriamente um espirito no click... Eheheheh.
(A foto está no meu blog.)
Excelente narrativa.
Este espaço é fantástico. são extraordinários, cada um a seu modo :-D
Abraços e beijos (porque me farto de dizer abreijos e as pessoas não gostam)
Opah arrepiaste-me!Só faltou um gato preto que se aninhava no colo da menina enquanto ela se baloiçava :)
beijos
Ana Mar (pseudónimo):
Obrigada :)
Pois, abreijos a mim lembra-me sempre a palavra brejeiro.
Sorry!
:)
Maya Gaarder:
Obrigada!
:)
Se tivesses falado do gato antes estaria cá. É que gato preto também se arranja.
:)
(Não tenho tendência a incluir gatos nos meus contos. Basta-me o que eu tenho.)
Que bonito e bem escrito. Há histórias que nos marcam para sempre. :')
S*:
Obrigada.:)
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