Contra o tempo com contratempos  

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Tenho na minha frente um teclado cheio de letras que olho de forma vazia. Uma vez mais o tempo que não consigo organizar, a vida que não consigo organizar levam-me a olhar o teclado e desafiá-lo para uma corrida contra um relógio que teima em não parar. Coloco os dedos sobre as teclas como se houvesse uma força interior que os vai animar e começar a escrever palavras num ecrã que ainda está em branco. A primeira palavra sai sem ter conhecimento da segunda e a terceira já se encaixa na quarta e a quinta dá significado à sexta e a sétima e a oitava e começo a escrever sobre alguém com que me confundo e que olha um relógio que muda a cada segundo, alguém que acordou de uma noite mal dormida ou de uma vida mal passada e que tem que escrever palavras nesta página que abandona o branco, palavras que tem que ser semeadas por ordem para poderem florescer em significado, palavras que tem que ser orientadas para serem lidas no encaminhar de sentimentos na direcção de uma ideia, palavras que escolho com preconceitos e sem preceitos.

Hoje sinto-me apenas um semeador de palavras com um compromisso de colheita e não sei se isso me agrada. Apetecia-me contar uma história que ainda não foi contada mas que não consigo encontrar no sufoco do relógio. Apetecia-me falar de diferentes sentires ou coisas novas mas confronto cada ideia com apenas outro mas. Não gosto do compromisso do relógio mas sei que a vida é mesmo assim, há sempre um relógio e sei que este é generoso e que me deu tempo para ter tempo de não ser agora apenas um semeador de palavras.

Abandono tudo e começo a escrever sobre alguém que não quero ser eu e que tem a ambição de ser escritor e que de repente se viu confrontado com um prazo para escrever algo e que não sabe o quê mas sabe porquê. Imagino-me como personagem desta história e pergunto-me a mim mesmo se me agradaria ler uma história em que eu fosse personagem e pergunto-me a mim mesmo se um escritor consegue criar histórias em que não seja ele próprio o personagem, mesmo que representado sobre outras formas e géneros e idades e envolvido em cenários que nunca viu mas que certamente imaginou. De repente cresce-me um sentimento de abandono porque eu realmente não me agradaria ler uma história em que eu fosse o personagem e se todos os personagens que consiga criar são apenas outras formas ou outros géneros e idades de mim mesmo então estou a perder o meu tempo ou mais grave estou desesperado com o passar de um tempo sem sentido.

Desisto e escrevo sobre flores e depois sobre o vento que não sopra porque está calor e sobre uma caixa de cartão sem nada escrito que foi deixada na porta de um prédio e que constitui um mistério para quem passa e a olha e se sente tentado a abri-la e escrevo tudo isto para tentar fugir de um personagem que não quero ser porque não percebo muito de flores e sei que mesmo quando está calor o vento ainda sopra e que na caixa não há nada porque fui eu que lá a deixei ou teria sido um personagem que imaginei que lá a deixou sem qualquer intenção de que constituísse um mistério para quem passasse e porque mesmo quem passasse na minha história seria um personagem com pouca relevância ou muito secundário mas ainda uma variante de mim mesmo e começo a perder-me no texto que escrevo e a achar que não farei sentido para quem o ler mas o relógio não parou e este personagem que imaginei como escritor ainda tem um compromisso de escrever um texto e resiste a apagar tudo e continua a escrever sobre rodas que rodam sobre rodas e de que quando nos olhamos num espelho o que vemos é apenas um capricho de luz que se reflecte e que acreditamos ser a nossa imagem e se calhar somos também nós personagens de uma história e eu sinto sempre uma enorme atracção para espreitar a ultima página ou a ultima palavra e que uma vez mais não deixa de ser o fim.

This entry was posted on sexta-feira, setembro 4 at sexta-feira, setembro 04, 2009 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

6 Devaneios

como eu percebo tudo isso :)

quero Paz, solidão saudável para conseguir continuar!!

bom fim de semana

Teresa

4 de setembro de 2009 às 22:17

Clap Clap Clap Clap ad infinitum.

Eu quando for grande quero escrever como tu.

Alias... Pode ser já, pode?

Please...

4 de setembro de 2009 às 22:34

Fiquei quase sem folego de ler isto de uma ponta à outra, ufa !!!

Se isso não é escrever bem é o quê ?

5 de setembro de 2009 às 13:41

BOLAS!!!!!!! Puf Puf Puf, é como já se disse, os teus textos tiram-nos o fôlego.
Se soubesses como fazes tanto, mas tanto, mas tanto sentido aqui deste lado. Gostava era de saber semear palavras como tu. E, acho que uma história em que tu fosses um dos personagens, seria uma bela história. Mas, se querer preservar o teu anonimato, podes sempre candidatar-te a biógrafo do Bruno! :D

LBJ, mais uma vez, esse livrinho é para quando? :) A sério. És um escritor. Começa a convencer-te a sério disso, porque és.

A-D-O-R-E-I

5 de setembro de 2009 às 21:39

Não queres criar um curso de escrita criativa online, com o Bruno? É que, eu quando for grande também quero ser escritora, assim! Já têm aqui várias alunas (não, não estou a contar com a dupla personalidade das minhas outras duas personalidades)!

Ps - tinha de fazer a dobradinha, né? :D

5 de setembro de 2009 às 21:41

Deambulei o meu olhar nas tuas palavras, rápido com pausas ligeiras em caixas de cartão que me deixam curiosa, e mais lentas nas flores e no vento que não sentes mas está lá.

Sou avezinha que debica nas tuas palavras semeadas, e fico assim, cheia, alimentada, e esvoaço feliz nesse campo com flores e vento.

Obrigada, LBJ. :)

Beijitos :)

6 de setembro de 2009 às 13:46

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