Numa noite como outra noite qualquer... Numa hora perdida no espaço, duas pessoas encontram-se, duas vidas cruzam-se. O porquê que as rotinas se cruzam interessa mas é algo que só saberemos realmente perto do fim.
Uma densa atmosfera rodeava aquelas duas almas , naquela ponte, e naquele dia.
Joel tinha 32 anos e decidira morrer.
Estava farto de se desiludir, estava farto de lutar e de acreditar , estava farto.
Hoje não só estava farto mas como estava realmente determinado a acabar com a sua própria vida.
Já pensara variadíssimas vezes em como fazer isso da melhor forma e depois concluíra que isso era algo que pouco importava, mas nada tinha planeado a não ser chegar àquela ponte, que parecia estar deserta de pessoas, e só os carros passavam de tempos em tempos.
Os passos pareceram-lhe quase mais leves, e quase que sorriu ao imaginar a tamanha liberdade que o esperava, não sentir o peso da realidade, não sentir dor, não sentir nada, nem o amor nem ódio, nada.
Lentamente, e passo a passo em direcção ao seu final suplicio, memorias de pessoas irrompiam-lhe pela mente.
Todas elas diziam algo, mas como que por magia não se ouvia nada.
Não tinha dito Adeus a ninguém e isso pesava-lhe desconfortavelmente na consciência. Doeu-lhe por dentro e nisto começa a chover.
A chuva encobria-o e poupava-o a possiveis alaridos , pois o objectivo era mesmo o desaparecer.
As gotas pareciam-lhe mornas. A chuva banhou a dor, e ele assim continuou, sentindo-se sujo de vida.
No outro extremo da ponte quando finalmente chegara, reparou que estava uma pessoa com um guarda chuva , mas que se dirigia para o lado oposto ao dele, não o preocupou nem um bocadinho e continuou o seu plano.
A chuva lavava tudo , os carros, as telhas as pessoas, as pedras e o alcatrão formando poças que se tornavam cintilantes devido às luzes que reflectiam.
Joel queria acabar tudo e era naquela noite, desde pequeno que lhe enojava algumas atitudes ditas humanas, aquelas que lhe deram a conhecer o ódio, o nefasto ódio e a cobiça, que depois se desenvolveu para raiva, entendeu finalmente que já não pertencia a este mundo.
Mais uma razão .
Como se precisasse de mais...
Tirou a gabardine ensopada do corpo e atirou-a para a estrada.
Esvaziou os bolsos das calças sentiu-se a perder peso, pegou no telemóvel que miraculosamente ou por acaso, tocava, não viu quem era, e mandou com o máximo de força para o imenso rio que seria agora a sua nova casa.
Limpo, e vazio para ser livre. Não precisou de coragem, não precisou de motivos, não complicou a sua decisão...
- Por amor de Deus, não faça isso !
Gritou uma rapariga visivelmente abalada com toda aquela situação.
O homem aparentemente desesperado e pelo amor à liberdade nem sequer respondeu, nem sequer se virou, continuou estático com toda aquela água a correr-lhe pelo rosto, só se riu da ironia doce que a chuva lhe brindava, esta menina era o ultimo sarcasmo da vida.
E com um esgar de felicidade, mergulhou rumo ao infinito sem dor.
9 de Setembro de dois mil e nove.
Foi numa noite como outra noite qualquer que esta vida se apagou .
Uma vida como outras tantas, os motivos podemos tentar adivinhar, mas essas razões nem sempre são para se encontrar, porque nunca estaremos realmente certos do que as noites encerram por debaixo das diferentes atmosferas que a vida nos brinda. Nem sequer dos desgostos cíclicos que motivam quando por desespero alguém decide por um melhor fim.