Agora e na hora da nossa morte  

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…Em nome do pai… não me lembro das palavras certas, nunca as quis aprender. Os homens nos momentos de aflição sempre se viraram para Deus e eu que sempre disse que este se alimentava de dor e sofrimento, aqui estou também a tentar lembrar-me das palavras que já não vou aprender. Em nome do pai e do filho… Sinto-me derreter de dentro para fora e tento tocar a dor e vejo um vermelho brilhante brilhar-me na mão. Em nome do pai e do filho e de outra coisa qualquer… Vejo tudo desfocado, sinto a cabeça húmida e algo a escorrer-me pelo pescoço que não sei se é suor ou sangue ou uma mistura dos dois. Em nome do pai… Deus terá que me aceitar mesmo não sabendo as rezas, deus vai ter que me aceitar porque se é deus sabe que terá que me escutar e que eu sou chato e persistente quando quero alguma coisa e deus vai ter que me aceitar. Em nome do pai e do filho e do espírito… Sempre acreditei no espírito, terá que haver algo maior que esta carne que sinto e não sinto entalada entre ferro e plástico. Em nome do pai e do filho… Sempre achei que neste momento preciso toda a minha vida se repetiria num reviver de avanço rápido e pausas eternas , imagens claras do que passou e os cheiros, gostava de voltar a sentir o cheiro do meu pai mas nem me consigo lembrar do que acabei de almoçar. Em nome do pai e do filho e do espírito santo... Nunca fui um santo e agora que sei que a morte está a chegar e já a vejo num manto negro de face pálida a sorrir, quero que ao menos me sorria, porque gosto de sorrisos e não sei há quanto tempo me sorriram sinceramente pela última vez. Em nome do pai e do filho e do espírito santo... Foi arroz, com frango ou talvez peru, foda-se porque é que me importa agora lembrar-me que pássaro comi ao almoço? Em nome do pai que está no céu… Deve mesmo de haver um céu para onde vão os merecedores da boa vida eterna, para onde vão os que acreditaram e veneraram o dono desse céu, mas deus sabe quem eu sou e o que fiz porque é deus, mas ainda deve de ter mais que fazer do que me julgar somente por eu não saber as ladainhas e eu não sei as ladainhas porque nunca as quis aprender porque nunca gostei de quem as ensinava e não gosto de padres, uns com aquele ar escanzelado de pecadores perdoados à nascença ou os outros anafados e bonacheirões que me faziam lembrar o pai natal já bêbado da consoada. Em nome do pai e do filho e do espírito santo… Na trindade há o pai e há o filho que dizem morreu por nós pecadores no seu egoísmo piedoso e eu sempre gracejei que não se importaria de morrer fosse por quem fosse porque sabia que tinha a cunha do papá lá sentado à espera dele, mas agora não me importava de ser eu o egoísta e que voltasse a morrer por mim. Em nome do pai e do filho e do espírito santo… Já só sinto a dor, deixei de ter corpo para só ter dor e todo o meu sangue tempera a terra de rubro, dor apenas dor. Em nome do pai e do filho e do espírito santo am…

This entry was posted on terça-feira, junho 8 at terça-feira, junho 08, 2010 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

3 Devaneios

Gostei. Gostei mesmo!
Eu, ao contrário de ti, aprendi tudo isso (excepto o Salvé Rainha, que nunca entrou cá dentro da memória nem sei bem orquê; talvez embirração pura e dura!) e muito mais.
Se tal me tornou numa pessoa melhor? Não faço a mínima ideia, mas não me parece que orações repetidas até à exaustão tenham mais validade que um coração bom.
O Pai, o Filho e o Espírito Santo, ou Santíssima Trindade, são as três facetas de uma mesma entidade. Já escrevi sobre isto algures num blog que visito, por isso não vou repetir-me, até porque já é proverbial a minha mania que sei tudo e não está a apetecer-me criar mais anti-corpos em quem quer que seja. Mas, se tiveres curiosidade, podes ver em http://donodaloja.blogspot.com/search/label/no%20espirito%20da%20coisa%20e%20tal...se%20algu%C3%A9m%20explicar%20a%20cena%20do%20Pai%20ensinou%20a%20gerencia%20agradece
SK

Nota: já agora, deixa-me dizer-te que «Agora e na hora da nossa morte» é do «Avé Maria» e não do «Pai Nosso».

9 de junho de 2010 às 01:26

Eu sempre tive alguma dificuldade em memorizar essas ladaínhas, talvez por isso mesmo a minha preferida seja mesmo o "anjo da guarda", confesso que lá em casa nunca fomos relegiosos a ponto de sermos obrigados a ser isso tudo... tenho as minhas crenças, em hora de despero recorro sempre a "algum ser superior" mas não sou praticante... bjs

9 de junho de 2010 às 17:36

Agora, não... Mas na hora da morte... Muita gente, sim...

Aprendi algumas e por vezes, gosto do murmúrio cadenciado, quase hipnótico de algumas orações.
E quando se ouve o rezar do terço, lembro-me sempre de velas e igrejas escuras e frias e velhotas vestidas de negro com o terço na mão, a correr as contas. E da minha avó, a rezar cristãmente todos os dias enquanto teve saúde, e depois de deixar de ter, a minha tia ligava o rádio na RR e rezava para ela.

E isto foi o que o teu texto me lembrou, e não deixa de ser engraçado lembrar-me disto, hoje que visitei a terra da minha avó e da minha tia, e estive perto duma árvore que ela plantou em criança.
(Ambas já faleceram... Haverá alguma mensagem divina nisto tudo?...)

O teu texto...
Tem vermelho, e negro, mas no final, tem branco. Vejo eu, com os meus olhos de fada, claro.
Pintaste assim de propósito ou calhou em pinceladas fugidias?
Gostei, amiguito, embora estes tons não sejam os que mais uso...
(Embora também os use...)

Beijito, querido

27 de junho de 2010 às 01:08

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