Se isto é um sonho eu quero acordar, quero gritar bem alto, quero chorar.
Tudo começou no dia 21 de Janeiro de 1899 durante um passeio ao fim da tarde durante uma visita a Oulu, o local mais bonito do mundo. Escureceu e continuei a caminhada por uma cidade que após o por-do-sol parece fantasma. Nas janelas vejo luzes quentes que ninguém quer deixar. Fazia-me acompanhar por uma garrafa de Stolichnaya, pois nestas temperaturas a vodka é a nossa melhor amiga. Já ébrio entro numa rua escura e foi aí que escutei uma bela melodia. Atraído e guiado por ela entrei numa pequena taberna iluminada somente por velas que não me permitiam ver mais do que vultos sentados nos cantos da sala.
Pedi um vodka, e sem me responder o taberneiro trouxe-me absinto, notei quando o provei, Pontarlier sem dúvida.
Olho para o ponto de onde a música vem e vejo um vulto nada mais. Há medida que a minha visão de habitua à escuridão vejo que se trata de uma mulher, alta, longos cabelos negros, cara branca sem expressão, uma mulher linda da qual não consigo desviar o olhar, os olhos dela estão fechados como que visualizando o choro que sai do seu violino.
Pergunto ao taberneiro o nome dela ao que ele responde: "Taija - a violinista".
A música termina, ela abre os olhos revelando um azul incrivelmente claro e caminha na minha direcção.
Fogo. Noite. Dia. Céu. Pessoas. Frio. Calor. Palavras soltas. Imagens sem nexo. Risos. Choros. Gritos. Gemidos. Flashs do meu passado. Flashs do que não vivi. Cheiro a sexo.
Quando recuperei a consciência estava despido numa cama desconhecida em lençóis ensanguentados. Desorientado saí a correr sem rumo, dei por mim rodeado de árvores e gritei, ri, chorei em dor, sentia-me a partir de mim mesmo, sentia-me mais forte que nunca. Sentia-me vivo mas morto por dentro, e adormeci.
Acordo incomodado pela aurora matinal, sentindo-me preso num local perdido no tempo, preso a uma vida passada, preso num pesadelo do qual não consigo acordar, sem saídas à vista sem forças para gritar. Gritei enquanto tive voz e ninguém me ouviu, ninguém quis saber, ninguém me respondeu.
Sinto que já vivi e que já morri mas que de certa forma revivo tudo novamente. Não sei dizer precisamente quando mas há muito tempo eu fui o que sou agora, um homem na neve, um homem de neve, um homem gelado.
Os primeiros raios de sol permitem-me ver onde estou, e ver a minha roupa ensanguentada, junto a mim uma lápide onde leio: „Taija, 31.12.1776 – 21.01.1799“, nome e data circundado pelo desenho de um violino e uma pequena pauta musical esculpida na pedra com o título:
"Pahoittelen, Basiliüs".