O Privilégio do Disparate – Parte incontável de uma série fora de série noutro lado qualquer que não é um lado qualquer
Normalmente quando escrevo estas coisas, o mais difícil é a primeira palavra e o curioso é que desta vez escolhi a palavra normalmente, o que deveria ser um bom sinal, mas como pelo contrário nada do que se me tem assomado à cabeça ultimamente roça a normalidade, criei na partida para esta dissertação um reflexo de contrariedade e quando digo contrariedade não quero dizer que este privilégio me vai causar um sentimento de oposição a um estado de conforto, mas sim que por um desígnio qualquer que podemos considerar divino ou de karma ou mesmo instintivo, me levou a pegar na coisa dentro da normalidade numa fase onde tudo me parece anormal.
Como podemos nós estabelecer um padrão de normalidade para os nossos comportamentos, decisões, interacções e formas de andarmos pela vida? De manhã todas as pessoas acordam, porque dormir é uma necessidade normal, desperdício de tempo dirão alguns, tão bom dirão outros, mas o que importa é que o ser humano, à semelhança de outros bichos, precisa de dormir para funcionar normalmente e por isso assumo que num dia normal, primeiro acordamos, depois podemos ser higiénicos e meter água para cima do corpo e lavar os dentes ou viciados e fumar um cigarro ou coisas mais divertidas ou atléticos e brincar com uns pesos ou esfomeados e comer o que se encontrar no frigorifico ou modernos e espreitar a rede, os mails, os blogs e aquele site porno que durante a noite se carrega de filmes de gajas mamalhudas, voluntariosas e que conseguem fazer coisas que não pensávamos ser anatomicamente possível e está fora de causa que num dia normal se comece com sexo, porque isso só mesmo nos filmes. Eu normalmente no inicio de um dia normal faço isso tudo, sem uma ordem normal e é normal que gaste uma horita ou mais o que me leva a que normalmente saia de casa atrasado para qualquer coisa e já cheio de stress, mas se o stress é normal será que o poderemos chamar de stress? Mas pronto, como não sou dotado de conhecimentos de terapia mental ou capaz de identificar comportamentos desviados, não vou mais falar de stress e depois de sair de casa, normalmente existe à nossa espera um meio de transporte que nos leva para o trabalho.
No meu caso é um automóvel, que à semelhança de muitos como eu é um complemento importante da minha virilidade, eu dentro da viatura sou o mestre daquele espermatozóide com rodas e compito como os outros espermatozóides no objectivo de chegar primeiro ao meu objectivo o que não deixa de ser divertido porque o meu espermatozóide é preto e faz-me lembrar aquele filme velhinho do meu guru Woody Allen, naquela cena em que o espermatozóide preto na fila para o lançamento se perguntava o que é que estava ali a fazer e reconheço que não será normal estar a falar de espermatozóides numa dissertação sobre normalidade, mas deu-me para isto.
Chegados ao trabalho, será normal a peregrinação à maquina do café, antes ou depois de ligar o portátil, assumindo que é normal que hoje em dia todos nós temos tarefas de contribuição para a sociedade ou modos de ganhar a vida, que impliquem a interacção com computadores. Depois é ver os mails e agir em conformidade e aturar os desaforos dos superiores hierárquicos que normalmente são umas bestas, enquanto espreitamos aqui e ali os sites habituais, sem sequer nos apercebermos que é normal que a malta da gestão da rede saiba tudo o que fazemos e que um dia nos lixamos com a brincadeira se a administração decide começar a meter o bedelho nas nossas indiscrições, porque um local de trabalho não é sitio para engates ou brincadeiras ou de conjecturas ou associação a movimentos de oposição à normalidade mundial.
Depois normalmente se chega à hora de almoçar e normalmente existe aquele agrupar de gentes que se identificam uns com os outros e comem juntos, será um processo hormonal ou socialmente dependente mas as pessoas assumem comportamentos de grupos em manada quando ruminam juntos e depois os homens falam de bola e de gajas e as mulheres não faço puto de ideia, porque não quero ser acusado de preconceito sexual, mas imagino que falem de coisas importantes, porque as mulheres são muito mais bem adaptadas que nós para funcionar em grupo.
Depois vem o período da tarde com o cafezinho a meio e em que acima de tudo nos apercebemos que o tempo é uma coisa que estica e que se encolhe e lá para a tardinha saímos do emprego e as pessoas normais podem ir jantar com os amigos, beber um copo, frequentar cinemas e teatros e discotecas ou passear nos centros comerciais ou namorar ou praticar sexo ou voltar para casa e estar com a família e os outros que definitivamente não são normais entretêm-se a escrever em blogs.
Nota: Este texto se não fosse colocado aqui faria parte de uma série e seria o nono e para quem não conhece estes textos, eles desobedecem a qualquer regra, são escritos de ponta a ponta sem paragens para pensar, respirar , cafezinho, sem intervalo para fazer chichi ou mesmo qualquer correcção, escrita crua para quem acha que o açúcar ou tempero adultera o sabor natural dos alimentos.