Seguíamos pela estrada, as luzes apagadas guiados somente pelo brilho vermelho do carro que nos precedia, à distancia, para não sermos percebidos, o silêncio entre nós era sobretudo cómodo, avistámos o carro a parar e também parámos a uma boa centena de metros, invisíveis na noite, sem uma palavra e tentando esquecer que respirar era uma necessidade saí e dirigi-me na sua direcção, caminhei furtivamente até chegar tão perto que quase lhe podia tocar. Estava suspenso na beira da falésia, alto, magro, ombros espaçados de cabelo castanho reflectindo a luz da lua, parecia vacilar perante a atracção do salto, hesitei e com a voz mais calma que consegui, disse-lhe:
-Por aí arriscas-te a falhar, a queda não deverá ser fatal – Virou a cabeça num repente, sem mover o corpo, parecia que a qualquer momento, poderia desaparecer projectado no espaço, a incerteza secava-me a voz – Mais acima é mais certo, o voo é curto mas as rochas lá em baixo dão-te a garantia de que não acabas no hospital a lamentares a decisão.
-Eu não…- Tinha-se agora afastado da berma, a lua iluminava-lhe a face, o rosto atraente e os olhos expressivos, janelas para uma alma experiente mas com um certo brilho de criança curiosa e meio perdida. - Eu moro aqui perto, venho aqui para pensar - Disse-me hesitante, enquanto me tentava adivinhar por entre as sombras.
-Pois, sei, olha não quero saber se te vais mandar daí abaixo ou não, mas antes podias… não tens por acaso ai um cigarro? - Aproximei-me e deixei que me visse o rosto, tirou o maço do bolso e estendeu-o, tirei um cigarro e acendi-o. Senti a pressão do seu olhar e procurei ocultar-me.
-Esta lua atrai os suicidas - Continuava a tentar soar inexpressiva -Deixa-me adivinhar, descobriste hoje que a mulher que te dava tesão, só andava a brincar contigo, que fodia com outro, ou com outros e apeteceu-te ver se tinhas tomates para acabar com aquilo que pensas ser a merda da tua vida? - Receei ter exagerado, por um momento pensei que o poderia perder e decidi arriscar tudo - Olha, se moras aqui perto, não tens por acaso nada que se beba? Estou com sede e apetecia-me algo que me aquecesse a garganta e fizesse libertar este frio que sinto por dentro . Olhou-me sem saber o que dizer e virei-lhe as costas, tentando perceber se já estaríamos sozinhos ou se ainda nos observavam à distância e disse-me que sim, que podíamos ir até à sua casa, que tinha uma garrafa de whisky ainda por abrir, se me serviria. Caminhei em direcção ao seu carro, tentando não parecer ansiosa, adivinhei a porta aberta e entrei, ficou ali parado, parecia não saber o que fazer e finalmente num gesto decidido entrou no carro, ligou o motor e arrancou.
No caminho, procurei não o olhar, queria fugir, mandá-lo parar e sair, pressentiu a minha ansiedade e estendeu-me de novo o maço, tentei sorrir enquanto acendia um cigarro e apercebi-me que me avaliava o corpo, notei que lhe agradava e não conseguia decidir se isso me atraía ou aterrorizava, mas sentia um pico de excitação subir por mim acima, como um fiozinho de calor. Fumava de forma casual numa pose de mulher fatal soltando pequenos anéis de fumo que caprichosamente se introduziam uns nos outros, parecia nem reparar nisso.
Estacionou o carro à porta do que já sabia ser a sua casa e saímos, fez por ficar para trás enquanto subíamos as escadas, senti que me olhava e decidi brincar com ele. – Não me apalpes o cu, mas podes olhar, sei que o tenho aí atrás… - Pareceu incomodado mas não disse nada. Tirou a chave do bolso, abriu a porta e entrámos, o apartamento estava mais arrumado do que esperava de um homem que vivia só, disse-me para estar à vontade enquanto ia buscar a garrafa e dois copos, encheu-me um, aparentava admirar o líquido que saía da garrafa num transe e estendeu-mo, desta vez sorri-lhe sem fingimento e aceitei o copo e bebi de um trago, deixando o álcool arder-me a garganta e depois todo o corpo em fogo aqueceu num instante de combustão que me libertava e vi que me olhava embevecido, não sabia se com paixão, tesão ou apenas desejo. Circulei pela sala, tentando adivinhar onde poderia estar o que procurava, assimilando tudo o que me rodeava como se somente com os dedos pudesse penetrar em todos os seus segredos e de repente num impulso irresistível aproximei-me, primeiro o corpo, depois o rosto e os meus lábios sentiram os dele e beijei-o.
O beijo foi um momento de doçura estranha, tinha ainda na boca o travo do álcool e destilei-o em filtro por entre as salivas que trocávamos, consumia-me toda com o seu sufoco e senti o aperto, frágil indefesa nos seus braços, os nossos corpos fundiram-se em forma de beijo, os meus peitos queriam rebentar esparramados contra o seu peito e a nossa intimidade encontrou-se por um momento, senti o seu vigor e estendi a mão para o apertar desesperada despi-lhe a camisa e beijei-lhe um mamilo, queria experimentar a sua sensibilidade e rocei os dentes num bico, percebi um tremor e então beijou-me como se nada mais importasse, como se as nossas vidas dependessem do ar que partilhávamos, o ultimo oxigénio à face da terra estava ali e ia esgotar-se num segundo. Puxou-me carinhosamente para si, tombou na cama e despiu-me, os peitos à altura do seu rosto, hirtos, prestes a explodir de desejo e comeu-me os seios com a boca, a língua brincava em círculos e vibrava como uma corda de instrumento afinado, estava a ficar louca, parou de repente estacionado nos meus olhos, via-lhe o desejo profundo de força, um simples e primitivo desejo, despi-me completamente para que pudesse sentir toda a minha pele, o calor do meu calafrio que se transportava de dentro para fora de mim e ele fez o mesmo e puxou-me para si, nus sagradamente profanos, poros em desalinho, suávamos sem cheiro e ele parecia procurar esse cheiro, parecia querer confirmar com todos os sentidos que eu existia, naquele instante, que existia apenas para ele.
-Olha há algo que tens que fazer primeiro, nenhum de nós quer acordar arrependidos de ter dado uma foda na sorte – estendi a mão ao bolso das calças, procurei um preservativo que tinha guardado de véspera, sem sequer ter pensado porquê, arrepiou-me imaginar que poderia ter previsto esta necessidade, rasguei a ponta e tirei-o lá de dentro agarrando-lhe no pénis - Queres tu pôr, ou ponho eu? – não disse nada, era agora o desejo que me controlava, sorri e beijei-o enquanto lhe colocava o preservativo, estendeu a mão e penetrou-me com dois dedos, estava húmida e tremi de ponta a ponta, dos pés aos cabelos.
Num instante perdi-me de razão, queria marcar este homem como meu, queria que o mundo soubesse que fora meu, queria que soubesse que o tinha como meu e pesei todo o corpo sobre o dele e mordi-lhe os lábios com a força da fome, quando o sangue jorrou bebi como um vampiro em desespero, sedento de vida.
-Porque fizeste isso? – Perguntou-me com ar espantado.
-Quero que me sintas amanhã, quero que me sintas depois de já não teres tesão, quero que sintas depois, quero que me sintas o cheiro quando passares a mão pela tua boca.
Beijou-me, devorou-me, mas era eu que me alimentava do seu sangue, que o sentia agora dentro de mim, abri-lhe todo o meu interior para que me pudesse penetrar completamente, deixámos de ser indivíduos para ser algo maior, gémeos andróginos em movimento sincronizado, dividia-me entre o desejo do seu orgasmo, do disparo da sua prole e a minha própria vontade, queria que me esperasse, queria ainda mais um tempo de si, esmaguei-me contra ele e apertei-o com o meu interior, queria que me sentisse no momento da convulsão, reconhecia-lhe o esforço em suster o clímax e beijou-me, primeiro os olhos e depois os lábios, de novo o doce do seu sangue a invadir-me a boca e não resisti mais, num ultimo aperto impossível, larguei o corpo em contracção, tonta, zonza, perdida de prazer, descarregava ondas de sentidos, puros, impuros, gemi guinchei e afoguei o meu grito dentro da sua boca. Adivinhei o seu orgasmo.
Saiu de cima de mim e deitou-se a meu lado, imóvel, saciado, sem palavras, parado sem que lhe ouvisse o respirar e depois, não sei quanto tempo depois, adormeceu.
Esperei, uma hora, dormia calmamente, duas horas, em sono profundo, três horas e levantei-me, nua, sem som nem cheiro, sentei-me a observá-lo, quatro horas.
Sem som nem cheiro, como um fantasma na noite, fui até à mesa onde estava o seu portátil, liguei-o, esperei que arrancasse e introduzi a password, que sem espanto funcionou e enfiei a pen que entretanto recuperara das calças caídas no chão, conjuntamente com um papel dobrado em quatro com instruções simples, escritas à mão, segui-as uma a uma, metodicamente, pressionando cada tecla com um só dedo, abrindo e fechando cada janela que se abria e depois, fiz o teste, a instrução final e verifiquei que o resultado era o previsto, desliguei o computador, recuperei a pen, vesti-me e preparei-me para sair, no ultimo momento voltei para trás, escrevi apressadamente uma nota e deixei-a sobre a mesa, não resisti a um olhar naquele corpo nu, os lábios vermelhos, a marca, a minha marca brilhava como uma flor ferida. Saí.
Já na rua, foi fácil encontrar um táxi, sem expressão de emoção indiquei a morada ao condutor e deixei-me cair para trás, de olhos fechados a pensar como tinha sido capaz de descer tão baixo na vida.