Aquele gajo não pára de olhar... A coisa está a tornar-se incomodativa, realmente, pois eu detesto ser observada, e ainda por cima tão descaradamente. Será que ele não sabe beijar e está a aprender de nós? Porque não agarra e não treina com uma gaja depois de uns copos? Agora que reparo, ele até é giro. Se o mundo congelasse à minha volta, apenas por um momento, eu até era capaz de o ensinar a beijar.
Gosto do meu namorado, que me está a beijar o pescoço, e acho que não era capaz de o trair. Ele não repara que o gajo está a olhar para mim. Pelo menos não é um daqueles monhés que se fixam no meu rosto como se nunca tivessem visto uma mulher. Parece europeu, quem sabe português ou espanhol. Norueguês não é com certeza. Eu ainda tento desviar o olhar, mas ele está sempre lá. E olhá-lo directamente, também não resulta. Ele simplesmente não desvia o olhar. E é um dos olhares mais perturbadores que já vi... É como se conseguisse congelar tudo à volta dele só pela presença. Não gosto disto, não gosto. Será que se eu me levantar e lhe der um estalo ele acorda para a vida, e deixa de olhar para mim, para nós? Deus queira que saia na próxima estação de metro...

Este metro está cheio de gente estranha. E eu canso-me de olhar para as pessoas, canso-me de olhar para o meu reflexo no espelho. Aquele par de namorados parece o único que está a desfrutar do dia. Eu não desfrutei do meu. Não sei porquê olhar para eles ajuda-me a descansar. Talvez me faça lembrar eu noutros tempos, ou alguma pessoa no passado, não sei. Acho que vou mudar de vida, de país quem sabe. Parece que já não há nada aqui para mim. Estas idas e vindas diárias, este metro cheio de pessoas tristes que me lembram no que me tornei sufocam-me. É isso... Quando chegar a casa, mando um mail, a demitir-me, bendita nova tecnologia, faço as malas e vou para o aeroporto. Já me estou a imaginar, no aeroporto, a romper com o pouco que tenho aqui, e a decidir o meu destino que afinal até sei qual é! Noruega sempre me fascinou, o frio sempre me fascinou, talvez porque tenha aprendido a viver com ele dentro de mim. Bolas, perdi-me nos meus pensamentos, não parei de olhar para ela, e ela está com ar de quem me quer bater... Soubesse ela porque olhei, talvez fosse capaz de sorrir. Foi o único rosto capaz de me fazer voltar a mim. Por um momento.