Capitulo II  

Posted by John Doe in

Jorge estava sentado à secretária a comer uma maçã. A secretária impecavelmente arrumada, com os papéis todos no cesto dividido por categorias. Apesar de ser alvo de chacota por todos os colegas de brigada, não dispensava a gravata, uma diferente todos os dias, numa camisa impecavelmente passada e bem vincada, sempre fazendo conjunto com o fato cinza, igualmente bem vincado. Os sapatos andavam sempre a brilhar e até a correia de couro que segurava a arma ao peito brilhava, com os cuidados que ele lhe prestava. Era metódico e contrastante com o resto do pessoal, com mais gosto pelos jeans e pelas t-shirts ou polos coloridos. Ele destacava-se pelo que vestia e pelo que era. Todas as investigações eram levadas por critérios firmes, sempre seguindo as regras. A sua taxa de sucesso de resolução dos casos era prova que tinha um bom método. Apesar de saber que alguns colegas davam uns "amigáveis" safanões aos suspeitos de ilícitos, "para acordar os que estão a dormir" na palavra deles, ele não conseguia fazer uso dessas metodologias. Preferia vencer pelo cansaço. Era conhecida a sua maratona de 4 horas em que, numa sala de entrevista, tinha feito exactamente a mesma pergunta a um suspeito durante o tempo todo. Apenas uma pergunta, nada mais que isso.
Quando escolheu a Polícia Judiciária foi para as brigadas dos crimes económicos. Após meio ano ali, decidiu que não era bem aquela função que tinha sonhado dentro da polícia. Estudou e candidatou-se a uma vaga nos Crimes Violentos. Tenaz como sempre, conseguiu a transferência. Há 6 anos que estava na brigada e com bons resultados. Apreciado pelas chefias, eram-lhe entregues os casos mais delicados. A sua equipa era constituída por mais dois agentes que, devido às horas que passavam juntos, eram considerados quase da família. Sendo alvo de riso por parte deles, não deixava de tolerar por saber que não era mais que uma forma de se rirem um pouco no meio dos crimes que investigavam. Ao fim e ao cabo, as vezes até ele se ria de si próprio. Sabia aceitar uma crítica, embora não gostasse de ser alvo delas.
Embrulhou o resto da maçã num guardanapo de papel e lançou para o cesto do lixo. Levantou-se, dirigiu-se à casa de banho no corredor para lavar as mãos. Enquanto ali, olhou pela janela minúscula e viu a chuva miudinha a bater na vidraça. Limpou as mãos às toalhas de papel e olhou-se no espelho. Ajeitou o cabelo, o nó da gravata impecavelmente feito e saiu. Ao chegar de novo à secretária o telefone tocou. Sentou-se cuidadosamente, puxando um pouco das calças para não vincarem e atendeu o telefone.

- Jorge, vem ao meu gabinete.
- Já estou a ir Dr. - desligando de seguida.

Apanhou o casaco do bengaleiro à porta e saiu. Um telefonema do chefe queria dizer trabalho e do sério. Normalmente os processos chegavam à sua mão pelas chefias intermédias, mas quando o Inspector Chefe o chamava directamente era sarilho dos complicados. Subiu os lances das escadas em passo acelerado e correu o corredor até à porta da chefia. A secretária olhou para ele e sorriu.

- O Inspector Chefe espera-me.

Ela pegou no telefone e marcou a extensão devida.

- O inspector Rodrigues está aqui.

Depois da resposta desligou o telefone e encarou-o

- Pode entrar inspector.

Ele abriu a porta e entrou. A sala era três vezes maior que as salas das brigadas, alcatifada em vez dos tacos de madeira e decorada, ao contrário das paredes nuas das outras. Por trás da secretária, na parede, uma fotografia do Presidente da Republica de ar grave. O Inspector Chefe era um sujeito magro, com fama de duro, que tinha subido dentro da polícia por mérito próprio. Era estimado pelos restantes porque sabiam que era justo e nas alturas das promoções não se esquecia de quem verdadeiramente merecia. Era um homem astuto, sabia ler as pessoas e não era raro os comentários que para o chefe saber tudo bastava olhar para as pessoas. Jorge sabia que não era assim, mas quase.

- Senta-te Jorge.

Ele puxou uma cadeira que estava junto à secretária e sentou-se. Era bem mais confortável que a cadeira em que habitualmente se sentava à sua secretária.

- Temos caso? - perguntou, recostando-se muito direito para não enrugar o casaco.

- Temos e dos grandes.

O Inspector Chefe pegou numa pasta que estava à sua frente e passou-lha para as mãos. Era uma pasta grossa, cheia de documentos e fotografias. Jorge abriu-a. Os olhos abriram-se ao máximo enquanto folheava as fotografias do processo. Já tinha visto muita coisa, mais do que o comum dos homens alguma vez veria em toda a sua vida, mas nunca tinha visto algo assim. Depois de percorrer os olhos por todo o processo, contou pelo menos 5 vítimas de uma selvajaria descomunal. Fechou a pasta e olhou para o Inspector Chefe.

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3 Devaneios

Uauuu

Cool!

2 de abril de 2009 às 19:51

Fiquei com a curiosidade à flor da pele para saber o que vem a seguir. Parabéns pelos textos de muita qualidade.
Bjss

7 de abril de 2009 às 00:59

Agrada-me imenso conseguires descrever tantos detalhes sem tornares o texto aborrecido, pois regra geral as descrições quebram o ritmo, mas neste caso não, ritmo é mantido por todo o texto.

25 de abril de 2009 às 05:38

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