Assim que dei os primeiros passos, caí, se calhar toda a gente cai ou talvez haja no andar já uns prodígios que uma vez que comecem já nada os faz cair. Aprendi depressa a cair de cu porque doía menos, embora custasse mais a levantar depois, havia toda uma manobra a realizar que para alguém com pouca experiência como eu era complicada além de que o cu me pesava, sobretudo depois de algum tempo sem manutenção e eu sempre fui algo cagão, então tinha que me inclinar para a frente, pôr uma mão no chão, o que comigo funcionava sempre com a direita e depois lá levantava o rabo até me conseguir ter direito e caminhar até voltar a cair, de cu, que eu aprendo depressa.
Ora eu e se calhar toda a gente, escolhe logo desde os primeiros passos uma situação de conforto em detrimento de mais facilmente andar para a frente ou se calhar não, as pessoas de sucesso que até podem ser felizes, sempre que caem, caem de forma a rapidamente se levantar e pouco importa os joelhos esfolados ou o sangue no nariz porque até lhe chamam construir e fortalecer carácter e o que não os mata fá-los mais fortes.
Somos empurrados pelo sistema que só nos quer ensinar e preparar a procurar e gostar da mudança, se estamos bem devemos estar preparados porque podemos vir a estar pior e se estamos mal devemos estar preparados porque podemos vir a estar melhor. A mudança pode ser lenta ou repentina mas é tão certa como o tempo e por muita desgraça que nos traga deve ser encarada como uma bênção porque nos dá uma oportunidade de melhorar. Por isso se criaram os incentivos que tanto podem ser os ecrãs de dois metros e meio para o qual todos gostavam de ter parede ou um lugar no céu sentado à esquerda de alguém famoso.
Tenho que saber lidar com a mudança para ser feliz mas como se define a felicidade? Que direito tem alguém de definir a forma do outro ser feliz? E se eu não quiser ser feliz e se este ou o outro for um estado que me faz sentir qualquer coisa que eu não quero catalogar ou que me expliquem o que é? Perdemos a forma de saber cair de cu no chão com o passar dos anos e não sei se isso tem a ver com a procura da felicidade ou do graal que nos tentam impingir ou se é algo evolutivo como a mudança dos dentes ou os cabelos começarem a ficar brancos. A mim nunca me nasceram os dentes do siso, acho piada gabar-me disso, podes dizer que andas com uma gaja muita boa e que tens um carro com mais cavalos que os índios e um barco que já só te cabe dentro de água, mas a mim nunca me nasceram os dentes do siso e diz-me lá se não tenho razão em ser mais feliz que tu?
Aqui há dias estava à janela do escritório e houve um senhor de branco que passou e me acenou, parece que distribuía felicidade a quem a procurava e eu que de repente estava só à janela a ver os carros passarem, fiquei sem saber o que fazer, como naquelas situações em que se vai na rua e se acha algo de valioso e ficamos com os dois bichinhos o do halo e o dos corninhos um de cada lado do ombro a soprar conselhos. Eu não procurei aquela felicidade e não queria enganar o senhor de branco que faz tanto para parecer e ser boa pessoa e não sabia mesmo se devia tentar arranjar uma forma prática de a devolver ou se a devia guardar e assumi-la como um capricho da sorte ou um sinal da trindade que eu era abençoado, talvez por não me terem nascido os dentes do siso ou compensação por já não conseguir cair de cu, quem poderá saber os desígnios do senhor de branco ou de outros transitários de felicidade.