Um bilhete, que não foi entregue.  

Posted by A Mor..

Um dia, no passado, eu disse que de você, eu queria devoção. Eu não brinquei quando disse isso, falei serio; mas não sei se me compreendeu. Devoção, não é nada mais que alcançar a profundidade da intimidade, vai além de total cumplicidade. Vai além, muito além.

Devoção, não se trata de culto. É afeto, é dedicação, é uma veneração especial. Falando poeticamente, “é um querer bem mais que bem querer”.

Duas coisas foram decisivas para que fossemos juntos. A primeira delas, é o seu olhar, a felicidade que ele mostrava pra mim; e a segunda, um detalhe do nosso primeiro encontro, o carinho que você dedicou a mim, naquela noite. Você nunca foi tão carinho como naquele primeiro dia. Muitas coisas já me chamavam atenção em você, mas isso, foi realmente o que selou a minha escolha, em ser Sua.

Tenho sido Sua, desde aquele dia, desde aquela noite com luar e sem estrelas. E agora, depois de 6 meses, me pego perguntando, se você tem sido Meu, se tem sido devoto a mim.

Eu tentei fincar minha bandeira, construir mais de meus labirintos, levantar meus edifícios, fundar civilizações. E, da minha maneira torta, fui desequilibrando teu ecossistema, quando tudo o que eu queria era plantar sementes, ver nascer arvores fortes e frutíferas.

Entenda, o meu descontentamento, não tem nenhuma relação com sua falta de tempo. O meu descontentamento, é pela falta de profundidade, pela falta de disposição. Em minhas veias, corre sangue quente, minha seiva é calor e é isso que me mantem viva! Por que sou calor, porque faço calor!

Tenho andado fria, me sentido morta e você não faz nada pra me aquecer.

(À Suivre - 07)  

Posted by LBJ in

Sempre me fascinaram as atracções e na altura não conseguia compreender os seus mecanismos e na realidade penso que ainda hoje não os compreendo. Hoje que já sou adulto sei que há hormonas e cheiros e nuances e padrões e curvas e linhas e outras coisas que tanta vez as razões não explicam como um brilho inesperado no cabelo num dia de Sol ou um sorriso suave de lábios fechados ou uma simples e honesta gargalhada ou a surpresa daquele encontro mas saber todas estas coisas não me traz mais compreensão nem me facilita tudo o resto.

Todos tínhamos alguma inveja do Rubinudo mas esse não era um sentimento maldoso ao ponto de lhe desejarmos que algo menos simpático acontecesse ou que um dia ele acordasse com uma borbulha vermelhona e luzidia no nariz diminuto e direitinho e arrebitado ou que o cabelo de repente deixasse de ser fino e claro para se parecer com o ninho dos hamsters do Piloto ou que os olhos que eram cinzento azulados se estragassem de alguma forma, longe disso, apenas tínhamos alguma inveja e tínhamos mais que razão e razões para isso.

Nenhum de nós conseguia perceber como é que ele fazia mas era uma coisa quase sobrenatural que podia impressionar qualquer estreante nas nossas andanças e não havia dúvida que gostava de ter aquele poder e não se abstinha de o pôr à prova e não foram nem uma nem duas nem sequer vinte ou mais vezes em que entrava na pastelaria e punha-se a olhar para as vitrinas com ar perdido de cãozinho sem dono e para os bolos em forma de passarinho encorpados em creme e mais creme ou para as tortas de chocolate recheadas e cobertas ou outra qualquer doçaria que nascera da explosão de gemas de ovo com cascatas de açúcar e nos fazia crescer água na boca pelos olhos e havia sempre, mas sempre alguém que lhe passava a mão pela cabeça e com um: “coitadinho do menino que tem fome…”, lhe comprava a guloseima. Estranhamente ou talvez não, na maior parte das vezes eram senhoras que nós achávamos que tinham idade suficiente para serem nossas mães ou até mais velhas como as nossas avós mas nós naquela idade achávamos que todos os adultos tinham idade suficiente para serem nossos pais ou até mais velhos como os nossos avós.

Afinal o Rubinudo era um miúdo porreiro e invariavelmente dividia os bolos connosco, dentada a um mordidela a outro e lambidela a todos e ninguém se enojava com isso nem com a outra questão que a alguns de nós começava a comichar porque embora já pensássemos nisso das miúdas não pensávamos muito, mas no fundo todos sabíamos que viria um dia em que o iríamos odiar. Elas eram ainda pequenos seres ruidosos de voz estridente e que gritavam por tudo e por nada e que choravam por nada e por tudo e não percebiam nada de nada de tudo o que nos interessava e não as queríamos por perto mas ele parecia que as atraía como os bolos de creme e chocolate nos atraíam a nós e entre risinhos e cotoveladas e piscadelas cúmplices bastava que alguém se distraísse e lá vinham convidá-lo para um cházinho e bolachinhas e outras brincadeiras inaceitáveis a um membro efectivo de um grupo de aventureiros como o nosso mas ele não lhes ligava muito e limitava-se a sorrir e tinha um jeito de o fazer com os olhos enquanto se afastava que as derretia em suspiros e ais e no fundo todos sabíamos que já o odiávamos um bocadinho.

(À Suivre)