Posso oferecer-lhe um chá ?...
Ja reparou que vem cá ao meu consultorio já há alguns meses e ainda não sei o seu nome ?
Pois, realmente nunca lhe disse o meu nome…
E vai fazê-lo agora ?
Porquê ? é assim tão importante para si saber como me chamo ?
Na verdade, sim é importante.
Bem, podemos resolver isto então… Maria, gosto do nome Maria, é simples, puro. Pode chamar-me Maria. Tendo em conta a quadra natalícia é até adequado.
Acho que ainda não lhe contei que a minha avó tinha um ritual engraçado, um ritual que eu adoptei há algum tempo, talvez como uma forma de me aproximar dela depois de a ter perdido. Todas as noites, antes de deitar, bebia um chá com três bolachas, bolacha Maria note. Não duas, ou quatro, três… Lembro-me de lhe perguntar, porquê três bolachas, e o que acontece se não tiveres bolachas avo ? Ela sorriu, era muito bonita a minha avó, mais ainda quando sorria, aquele sorriso lento e doce só dela.
Bem minha querida, podia dizer-te que o três é um numero poderoso, cheio de significados ocultos e de simbologias importantes para mim, e que as três bolachas são uma forma de superstição. Mas não é nada disso. E quanto a não ter bolachas, isso simplesmente não acontece. Vem comigo preparar o chá, e vais ver porquê.
Ela utilizava sempre a mesma chávena, pensava eu, na verdade tinha várias iguais, chávenas essas que assentavam num pires como é evidente. Bem ao colocar a chávena no pires com a colher ao lado, sobrava espaço para exactamente três bolachas, o mistério estava desvendado. Começamos a partilhar este ritual, as duas, sempre que ficava em casa dela, era o nosso momento. Sentava-me na cama dela, já de pijama, e juntas mergulhavamos as bolachas no cha até amolecerem. Um processo difícil, acertar no ponto em que a bolacha amolece mas não demasiado, parece simples mas na verdade não é. Demorei algum tempo a conseguir fazê-lo sem que as bolachas se desfizessem todas e formassem uma papa no fundo da chávena.
Agora é o meu filho, que trepa para a minha cama para partilhar o meu chá, ainda é demasiado pequeno para segurar na sua própria chávena, mas o meu pires é maior, cabem seis bolachas, três para mim e três para ele, bebemos o chá em goles pequenos para fazer durar o momento. O nosso momento.
Era chá que ela guardava na caixa, não tabaco como pensei na primeira vez que a abri. Uma caixa de chá.