28
abr
Morada
Estou com raiva de ti.
Ou será de mim?
Endoidece-me este já não saber o que desejo, se continuar a fundir o meu corpo no teu, impunemente (até quando?), cedendo a esta vontade primitiva de te sentir em mim, se retornar (será possível?) a um estado de amizade e de carinho sinceros que o meu peito guarda por ti.
Em que parte de ti vivo eu?
Será que ainda tenho o meu lugar no abraço de amparo, na empatia de um sorriso, na carícia de uma palavra de apoio?
Ou será que vivo agora, lasciva e sedenta, Afrodite em vestido de cetim, nos teus sonhos? No teu desejo, que dizes permanente e insaciável, por mim?
Será que cruzei sem olhar para trás o limite traçado no éter, que passei a barreira sem saber que o caminho de regresso não mais o acharia, ou será que no fundo deste caminho de avanços e recuos, neste jogo de gato e rato, ainda existe a porta cor-de-rosa que nos trará de volta, resgatados e limpos de “pecado”, à segurança do que conhecíamos antes?
Não quero que me penses só como a amante que te satisfaz os sentidos, dessas plantas tu pelos caminhos como flores que o tempo desbotou, essas mulheres que já não têm nome nem lugar na tua lembrança.
Eu quero ser mais que um encontro rápido e quente nas traseiras do teu carro.
Eu quero ser mais que o sonho que te faz suar de noite e levantar com a boca seca a murmurar o meu nome.
Eu quero que o meu corpo te ampare os suspiros e a minha alma te console as dores do peito.
Eu quero ser o arco-íris nas noites de tempestade, e o lençol que te segura na cama, e a boca que te beija as feridas e os pontos frágeis e os pontos fortes, eu quero ser aquela a quem procuras quando a vida são nuvens e quando o dia é só sol.
Quero ser a Sombra que te consome em fogo, e a Luz que te envolve em serenidade.
Por isso diz-me onde moro, diz-me que habito em ti.
Porque se não sou, por circunstância, o todo, então diz-me adeus pela janela porque me vou, cigana, de saia rodada ajustando o bambolear do corpo, pela curva daquela esquina e me engole o pó que tudo cobre e esquece…