Levada...
Fecho a porta. Com estrondo. Porque me apetece. E sei que não vem atrás para dizer "Não vás!". Até porque desta vez nem sabe onde vou. Nem eu. Mas, para o caso de não voltar, fecho a porta com estrondo. Para que nunca se esqueça de mim.
Está a chover. E eu não sei por onde vou. Sei que estou a ir. Como se alguém puxasse os cordelinhos das minhas pernas e as fizesse mover ao som da sua vontade. Eu deixo. Quero ser levada. Não quero ir, se não ser levada. A chuva está a começar a empapar-me a roupa, mas isso deixa-me indiferente. Quem sabe devesse ir tirando a roupa pedaço a pedaço. Porque empapada, torna-se apenas uma extensão da chuva. Nada mais.
E as peças de roupa vão voando para os lados, como se obedecessem assim, prontamente a apenas um pensamento. E eu vou continuando a ser levada. Sem norte, sem sul, sem direcção. As pernas continuam a andar, sempre movidas por alguma força alheia. E eu vou sendo levada sem saber onde nem porque. Parece que já andei horas. Não estou cansada, não tenho fome, nem frio. E tudo parece acontecer à velocidade do meu pensamento. Mas por agora a única coisa que pensei, foi mesmo que a roupa já não fazia sentido, empapada. E a roupa desapareceu.
Penso no mar, e ali está o mar. Calmo tal e qual como eu pensei nele. E continuo a andar com o mar à minha volta. E tudo à minha volta é mar. Estranhamente mar. Já não há terra, já não há pessoas, apenas o mar e uns quantos sóis. Porque eu pensei no por do sol. Pensei no princepezinho, que gostava muito do por do sol. E que via muitos. E ali estão sóis a porem-se para mim. A pintar o mar com as cores douradas de um fim de tarde de verão. E Arco-íris porque a chuva não deixa de cair.
Continuo a andar. Continuo a ser levada. Sinto as ervas roçarem nas minhas pernas, mas mal sinto os meus pés no chão. Sinto a brisa do vasto campo de flores silvestres, o aroma do amanhecer. E continuo a caminhar. Sem frio, sem fome, sem cansaço. Sem norte, sem sul, sem direcção.
Estou ao teu lado, parada, sentada. Continuo a ser levada. Sinto o teu olhar, e sinto uma paz que é impossível vir de ti. E sinto o meu pensamento, logo a minha voz perguntar...
Porquê?
E vejo-te de pistola na mão, a olhar para o meu corpo sangrento, sem qualquer expressão.
E o Vazio da noite toma conta de mim.