Rosa-prisão, rosa-loucura  

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Descalça, ela corria o mais que podia no relvado molhado da chuva, as gotas fustigando a bata branca enorme que o vento colava às suas pernas, a urgência correndo no sangue, segundos preciosos que se esgotavam de cada vez que tropeçava e caía desamparada no escuro da noite, os ramos ferindo-lhe os braços nús.

Atrás dela, num susto, começaram a soar as sirenes de aviso. Alguém fugira.
Imaginava a confusão que comaçava a entrar no estreito viver do hospício, em que tudo tinha o seu devido tempo, como um relógio demasiadamente bem oleado e afinado ao segundo.
O reboliço das enferneiras revirando quartos, enfermarias e salas de detenção, procurando o rato que fugira da ratoeira.
As caras daquelas que o Mundo dizia loucas encostadas às barras das janelas, umas enviando secretas preces de apoio a quem se atrevera a rasgar o véu da inconsciência regada a medicação e outras agoniando a raiva de não terem igual coragem.

Claro que para se escapar tivera de vender o corpo ao enfermeiro responsável pelo trancar de portas à noite. Fechara os olhos e fechara-se no seu âmago, tentando não sentir as suas carícias apressadas e a posse rápida e brutal. Havia um preço (alto) a pagar, e ela pagara-o. Vomitando em seguida o seu pecado.

Agora a chuva abençoada limpava-lhe o corpo de fluidos e náuseas, amparando-lhe a dor.

Mais uns passos e estava junto do muro onde combinara com Roberto, que devia atirar-lhe uma corda para se içar.

Os cães cheiravam-lhe o rasto e sentia a sua proximidade como um arrepio na nuca, mas não podia dar-se ao luxo de parar e olhar para trás. Por vezes, a ignorância é uma bênção.

O muro.
E nada de corda.

Roberto!, gritou.
O silêncio da resposta ensurdecia-a.

Tremendo, encostou-se ao muro e deixou-se cair de joelhos.
Tudo isto para nada. Prostituíra-se para nada. O desespero consumia-a.

E eles vinham aí, os cães, o rosa do uniforme das enfermeiras destacando-se na luz da lua. Rosa-enjôo, rosa-prisão, rosa-loucura.

Um mocho uivou e voou para longe.
Uma corda caiu-lhe sobre os cabelos revoltos, e o coração começou de novo a latir.
Subiu vertiginosamente, com forças que desconhecia ainda possuir.

Do outro lado, Roberto amparou-lhe a queda no seu colo.
Retiraram a corda e, de mão dada, sorrindo, fugiram para o Mini que os esperava.

This entry was posted on quarta-feira, novembro 9 at quarta-feira, novembro 09, 2011 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

2 Devaneios

:D

Fantástico conto!...

Beijinhos :)

10 de novembro de 2011 às 23:59

Obrigada, Fadita, saiu-me... assim de repentemente :)

Beijitos muitos

11 de novembro de 2011 às 10:18

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