Grito
"Porra, vai-te embora! Já chega! Se não queres estar aqui, se não me queres ouvir a chorar, vai-te embora! Eu sei que tu queres ir embora, mas porque não vais já? Tens pena de mim? Tens pena deste corpo? Tens pena destas cicatrizes? Elas não se vão embora por ti! E tu não me vais impedir de nada! Chega de estares aqui só porque eu preciso, porque estupidamente tu tens medo que eu me corte! Mas afinal qual é o teu problema?!!!"
Ela está nua à minha frente. A chorar, com o seu longo cabelo negro colado ao seu rosto perfeito. E eu consigo olhar para ela. Para aquele corpo, salpicado de cicatrizes. E realmente eu quero ir embora, como ela diz. Mas não consigo. É demasiado paralisante ver alguém assim, quanto mais ela.
Eu não sabia destas cicatrizes. Descobri há muito pouco tempo. E não sei, não faço ideia porque o faz. Mas sim, eu quero ir-me embora. Ainda assim não consigo mover um pé. Agora a única coisa que nos separa é o seu grito de silêncio, que eu consigo ouvir até ao âmago da minha alma. E eu acabo por querer dar um passo em direcção a ela, mas o seu grito mudo impede-me. Enche a sala.
E ela fala uma vez mais.
"Agora, o teu único caminho é voltar atrás. Este monstro não é partilhável!"
Eu não entendo, mas acho que na cabeça dela está um monstro e não uma mulher. E volto a tentar dar um passo. E volto a não conseguir.
Sem ter qualquer outra opção... Volto atrás.
O Grito mudo estilhaça os vidros da sala, que se espetam nas minhas costas.