Acordar
"Acordo num campo de trigo. Não me lembro de ter ali adormecido, pensava que tinha adormecido na minha cama, no meio de uma grande cidade, mas no entanto acordo um campo de trigo no meio de lado nenhum. Aquilo é, de facto, diferente. Levanto-me estranhando a paisagem dourada, o chão impressionantemente macio. E tenho fome. Após um longo suspiro estico as pernas e decido começar a andar. Tenho fome, e não sei o que estou ali a fazer, nem como ali fui parar.
Lembro-me de que tenho de ir trabalhar, que deveria ter em conta as horas, mas estar ali sabe-me bem, e essa realidade parece-me longe. Por falar em longe, estreito a vista, e acabo por perceber uma casa. Comida, penso. E acelero o passo.
O campo de trigo dá lugar a um campo de girassóis. E o campo de girassóis guarda uma casa que me espera. Olho o céu. Um laranja dourado de amanhecer. Sorrio. E começo a correr para encurtar a distância. "Terei morrido e chegado ao céu?" Não importa. Sorrio à ideia de tomar o pequeno almoço naquele lugar. E ao fundo vejo aquilo que me parece ser o animal dos meus sonhos. Uma pantera negra à minha espera. Aquele ar faz-me bem, aquelas flores a adorar o sol fazem-me por momentos feliz. E aquela pantera negra não me deixa esquecer o que eu realmente sou. Tudo parece perfeito, num equilíbrio que eu jamais pensei existir, ou mesmo desejar. Porque nunca desejei o equilíbrio, mas agora não faz mal. A pantera está ali. É eu, negra, em toda a minha essência. Extasiada pela visão corro para a casa, que me parece cada vez mais irreal. Amarela com tons de verde, como se fosse uma extensão do campo de girassóis. A pantera aproxima-se de mim, um caminhar suave e forte ao mesmo tempo, o negro a reluzir ao sol, os seus olhos profundamente verdes. Sem medo toco-lhe, sem medo, acaricio-a e o animal deixa-se acariciar. Por pouco tempo. Nunca é preciso ser demais. "E há quem pense que quanto mais abraça mais gosta. Detesto abraços...".
A pantera não vai muito longe. Está ligada a mim. Sempre a mim. E entro na casa e vejo o tão aguardado pequeno almoço. Pão com manteiga, pão com doce, pão com marmelada, é só escolher. Leite, sumo de laranja, chá, café, é só escolher. Morangos, mangas, uvas, bananas, cerejas, é só escolher. E sento-me. E escolho. A cereja."
Pi Pi Pi Pi Pi Pi Pi Pi Pi!
Merda do despertador!