Ancorar  

Posted by mf in

Navego em mar encapelado
cavalgando as ondas em teu corpo
na crista da espuma suada
que de ti se desprende
em busca de enseada recôndita
onde anseio espraiar os sentidos
Pressinto a dureza do cais
Provo o sal da rocha que se alteia
Ouço o rugido suave das profundezas
Vejo-te em oscilação ritmada de maresia
Cheiro o doce acre que se desprende
da maré viva que libertas
Ribomba ao longe a tempestade que se aproxima
Faíscas de luz rasgam-me por dentro
Explode o céu no infinito
E amanhece.

A comunhão  

Posted by I.D.Pena in

Estava uma tarde maravilhosa, ouvia-se ao longe a terra a ser arada , e no ar pairava um cheiro doce , talvez fosse as macieiras ou as flores silvestres era uma mistura da natureza uma das tantas fragrâncias muito bem definidas mas sem definição ... E ra sem duvida memorável e um presente maravilhoso, para Mãe e Filho,  juntos a conversar sobre o tudo e o nada que compõe este mundo.

- Mãe , como se pode ser melhor sem que ser melhor ofenda os outros ?

A Mãe emocionou-se interiormente com a sabedoria que aquele menino de 5 anos já mostrava ter , o seu ar sério fez com que repensasse em todas as palavras para que pudessem ser entendidas da melhor forma possivel.

- Podes ser melhor para muitos mas nunca o melhor para todos , porque ser melhor é alguém que se esforça por melhorar, já sabendo à prior que pode fazer pior...

A resposta confundiu e calou a criança , mas percebeu-se bem que a conversa não iria ficar por ali...

- A "ofensa" que os outros sentem, é a demonstração da frustração que eles sentem por não terem conseguido fazer melhor, não merece da tua parte atenção, só existe para chamar a atenção de quem se ofende com o facto de estares a melhorar.

A resposta ... Desta vez ... Foi bem mais complicada , mas muito melhor entendida, e apreendida por seu filho...Que crescia ali mesmo.

A garça de Deus  

Posted by LBJ in


Andava um dia um pastor a pastorar o seu rebanho que tinha cabras e tinha ovelhas e tinha carneiros e tinha dois cães que eram pouco peludos e compridos de rabo e perna alta quando sentado debaixo de uma árvore de folha caduca mesmo no final do Verão num daqueles dias que quando se sai de casa faz frio mas depois ainda se sua lá para o final da manhã lhe apareceu Deus. O pastor que não sendo beato nem daqueles que queriam ser sempre dos primeiros a comungar era crente na medida em que não tinha nenhuma razão para acreditar que não existisse um Deus e que esse Deus era o pai de todos mesmo dos bastardos e dos desgraçados e dos ricos e dos pobres e até do tonto lá da aldeia que gostava de levantar a saia às moças para lhes pôr à vista as truces à vista de toda a malta que se riam que se fartavam e sempre lhe iam pagando um copito na tasca. Por isso quando Deus apareceu ao pastor ele imediatamente percebeu que Deus era Deus e que até era parecido com as imagens que vira em miúdo num livro que havia na casa de já não se lembrava de quem e quando Deus lhe falou num vozeirão tremendo que parecia soprado dentro de um tubo comprido e estreito na boca mas que depois se alargava como uma corneta das grandes e bojudas ele assustou-se e só não se borrou todo porque tinha vergonha de o admitir em público.

Deus estava vestido de cinzento com um manto que lhe tapava o corpo todo com excepção das mãos e dos pés e da cabeça e tinha barba e um pássaro branco de bico bicudo parecido ou igual àqueles que costumavam andar no meio das vacas pousado no ombro. Uma graça como lhes chamava o marceneiro da casa do moinho e uma bela graça de penas brilhantes. Deus disse ao pastor que o tinha ajuizado e julgado digno de uma das suas garças divinas pela sua bondade e vontade de não querer mal ao próximo e de ser simples e humilde e de não invejar nem as posses nem as mulheres dos vizinhos e o pastor ficou contente porque afinal não era tão parvo como todos lhe chamavam e ia ter uma graça de Deus o que tinha de ser uma coisa boa. O pastor aceitou de Deus sem perceber muito bem porquê o pássaro e levou-o para casa e dá-lhe todos os dias água e farelos de pão que o animal ignora porque prefere comer baratas e um ou outro gafanhoto que apanha por ali e ainda espera um dia perceber ou receber de Deus as instruções para pôr o bicho a funcionar como deve ser e se não for daqueles que cagam ovos de ouro ao menos que diga palavrões como o papagaio da taberna.

Candidaturas  

Posted by Bruno Fehr in

Nunca foi o objectivo deste blogue ter os seus colaboradores a publicar por obrigação. A existência de um calendário serve unicamente para que dois colaboradores não publiquem no mesmo dia e desta forma retirem visibilidade ao texto do que publicou primeiro. Esse calendário não é uma obrigação de publicar é uma possível data, para um possível texto.

Na verdade, e falo unicamente de mim, é uma forma de me testar e de me obrigar a escrever algo. Este "obrigar" não é a obrigação de publicar mas sim uma forma de me fazer escrever, deixar a preguiça de lado e escrever sobre qualquer coisa. Por vezes corre bem, muitas vezes corre mal mas isto não é suposto ser um trabalho e sim ser um prazer, um treino, um teste ou seja lá qual for o motivo pelo qual escrevem.

Perdemos, espero que temporariamente, uma colaboradora e por isso estamos de portas abertas a novos colaboradores que queiram usar este espaço para partilhar um pouco da vossa imaginação.

Um espaço para escrever livremente, em qualquer formato sem se preocuparem com nada a não ser o que querem transmitir.

Os interessados em participar poderão enviar um pequeno mail para: fehrbruno@googlemail.com

Prelúdio de Outono  

Posted by Mag in

As folhas bailavam em danças desconhecidas do outro lado da janela, ensaiando as suas vestes de Outono. O vento tocava-lhes a valsa, compenetrado.

Os dias começavam a escurecer em horas mais pequenas, e o amanhecer tardava-se no céu, como que mal disposto pelo frio que se adivinhava no despertar matinal.

Na casa amarela a cozinha transformava-se em ventre, quente e confortável. Faziam-se, atarefadamente, bolos e biscoitos, grandes pratos de forno que cheiravam a gengibre e ervas, cozia-se pão, misturavam-se receitas antigas de vinhos e beberagens diversas.

Malua vigiava a cozedura da tarte de cogumelos selvagens que era a preferida de Truan, o marido, que retornava do longo período de expedição às terras selvagens para lá da montanha. Sorria para si mesma, antecipando gostosamente o abraço que a enlaçaria, a barba rija no seu pescoço, a voz forte que a fazia sentir-se rainha.

E, na casa amarela, era. Mas nunca o sentia tanto como quando tinha a família em seu redor, os rostos felizes dos pequenos, a presença segura e amada de Truan, sentado no cadeirão grande da sala.

Johan entretinha-se no pátio, ensaiando batalhas imaginárias com os bonecos talhados pelo pai. Nunca os largava. De momento, e pelo que Malua conseguia distinguir das palavras soltas que lhe chegavam à cozinha, os bravos guerreiros com nomes inventados lutavam pela conquista dos favores de uma donzela imaginária, que a nenhum queria mas a ambos se insinuava. Malua sorriu, pensando que Johan estava a crescer depressa.

Como um remoinho, Katyna entrou na cozinha, alvoraçada. Antes de conseguir recuperar o fôlego que lhe escapava, tentou dizer à mãe que já se ouvia, ao longe, a algazarra de chegada dos homens. O seu cabelo escuro prendia folhas nos caracóis rebeldes, os braços mostravam sinais da recente excursão à montanha. Malua reconhecia em Katyna os sinais da magia que se transmitiam na sua linhagem através do sangue e da alma, e que eram cada vez mais evidentes na garota que em breve seria uma mulher feita, bela e, se continuasse assim, rebelde. Malua sabia que só o verdadeiro amor amansaria o coração puro da filha.

Um sobressalto no coração sussurrou-lhe que Truan estava a chegar. Inconscientemente, passou a mão pelo cabelo, ajeitando-o.

Aí estava ele, com Johan preso de um braço e Katyna alargando-se já em direcção ao seu abraço.

Truan sorriu-lhe.

E o Mundo completou-se.